Ela estava triste. Muito triste. E cá para nós, ninguém pode se
permitir ser triste no verão. Não no verão. Você pode ser triste em dias cor cinza,
em dias chuvosos, em dias solitários, em dias cruéis, mas não no verão. Nunca.
Nunca no verão. Mas ela, coitada, estava triste. Muito triste. Mesmo em pleno
verão. Até o telefone tocar.
- Alô – atendeu sem a menor vontade, sem o menor saco, sem a
menor amizade, achando ser, mais uma vez, algum representante do seu banco
cobrando o cheque especial já estouradíssimo antes de o mês começar.
- Leca? – perguntou a suavemente rouca e doce voz feminina do
outro lado da linha.
Leca suspirou sem paciência e respondeu rude – Você que me ligou.
Com quem quer falar?
- Oi Leca, sempre a mesma, hein? A aspereza em forma de mulher. Sempre
armada – brincou a voz doce do outro lado antes de dizer – Sou eu, a Bia. Esqueceu
da minha voz?
Um arrepio atravessou as costelas de Leca. Um arrepio intenso e
devastador. Como ela não havia reconhecido aquela voz? Como? Como não desligou
imediatamente? Como? Permaneceu em silêncio.
- Então Leca, não vai dizer um “alô” sequer? – perguntou Bia,
atrevida e provocante.
- Oi Bia – respondeu Leca após um breve suspiro e tentando
disfarçar a voz trêmula e hesitante – Tudo bem com você? – perguntou sem
vontade.
- Tudo excelente. Tudo excelente. Verão, não é? Dias de alegria,
sorrisos e felicidades. Muitas felicidades e coisas boas.
Leca olhou para o teto quase em desespero e disse – Não sei. Não
sei. Não acho tudo isso não. Acho um porre tais alegrias forçadas. Verão? Que
se dane – prosseguiu.
Bia sorriu alto ao telefone e emendou com carinho – Eu sei
querida, eu sei. Você sempre odiou o Reveillon. Lembra? Costumava odiar a
obrigação de ser ou estar feliz na data. Lembra?
Os olhos de Leca ficaram repletos de lágrimas, porém ela segurou
a onda no timbre de voz – Claro que lembro Bia. Claro que lembro. Você lembra
que uma viagem de Reveillon foi a nossa última? A nossa última viagem. Não
chegamos ao próximo Carnaval. Lembra? Você e aquela sua maldita banda animando
bêbados imbecis na praia. Lembra?
Bia prendeu a respiração e nada disse. Tentou conter-se ao rever
o filme em sua mente.
- Então? – prosseguiu Leca – Você é que não vai me dizer nem um “alô”
agora? O que houve? – perguntou ácida – Não quer falar?
Bia suspirou e disse com calma – Escute Leca. Deixa isto para lá
agora, por favor. Quero te fazer um convite. Apenas isto. E só podia ser assim,
te ligando de surpresa mesmo, pois de outra forma você não iria nem me
responder.
- Um convite? – perguntou Leca – Sobre?
- Amanhã, às onze da noite vai ter a festa da Eduarda no Clube Varsóvia...
- E? – interrompeu Leca
- Gostaria muito que você fosse. Muito mesmo.
- Eu? No Clube Varsóvia depois de todo este tempo? Ainda mais
com você por lá? – perguntou com fina ironia Leca.
- Exato. Comigo lá.
Leca gargalhou ao telefone e respondeu – Nem sonhando. Esquece –
respondeu.
- Por favor, Leca – insistiu Bia – Tem uma surpresa para você. Uma
surpresa muito grande. Gostaria muito que fosse.
- Olha Bia, vou pensar ok? Não garanto absolutamente nada.
Sequer se estarei viva amanhã. Sequer isto.
- Por favor. – insistiu Bia – Por favor. Pensa com carinho. É
muito importante, mas muito importante mesmo. Para nós.
Leca respirou fundo, indecisa. Apenas respondeu – Ok Bia. Vou
pensar. Vou pensar.
- Beijo meu amor – disse Bia antes de desligar.
Leca nada respondeu.
Leca pensou?
Muito e muito e muito. Insana, sozinha e em claro.
Bia acreditou?
Bastante. Com muita esperança. Insana, sozinha e em claro.
Leca foi?
Não. Claro que não.
Bia chorou?
Horrores. Claro que sim.
A surpresa?
Leca jamais soube. Leca jamais soube e até o fim corroeu-se por isso.
Maldito orgulho.
A supresa?
Bia jamais contou. Maldito orgulho.
E elas?
Bem, elas jamais se falaram novamente. Jamais se falaram
novamente...

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