Assim, de repente, ela lembrou.
...
Ela lembrou que choveu muito naquela
tarde. Muito mesmo. Mais do que em qualquer outro dia da sua vida que não aquele.
Cruel. Ela lembrou que o tempo estava bom até então, mas o céu, caprichoso, optou
pela rebelião. O
céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase
noite. E choveu muito, mas muito mesmo naquela tarde. Como jamais ela pensou
que poderia chover naquela época do ano ou em qualquer outra época, na verdade.
Maldade. Ela recordou que estava no Parque Central, quieta, apenas pensando nas
verdades que havia ouvido horas antes e arquitetando uma fuga mirabolante do
viciado e repetitivo labirinto caótico em que a sua vida tinha se transformado.
Lembrou-se, também, que não tinha feito tanto sol e nem tampouco estava abafado
e, portanto, não havia razão para tantas nuvens no céu capazes de provocar
aquela tempestade gigantesca que se formou. Não mesmo. Ironia. Mas, ainda assim,
tudo aconteceu. Ela não se deu conta e, de repente, o céu já estava cinza. Absurdamente
cinza. Correu para qualquer lado, apenas com o intuito de escapar da
tempestade. Não deu tempo. Ela foi rapidamente atingida por gotas enormes, capazes
de molhar muito uma pessoa. Parou somente quando alcançou uma marquise de
cimento muito feia, porém providencial, e que bem serviu para abrigá-la da
tempestade. Desistiu. Sem ar pela corrida, sentou-se no chão inundado e acendeu
um cigarro para foder de vez o seu pulmão. Tragou e respirou. Pôs-se a observar
as pessoas correndo desajeitadas para um lado e para outro, à procura de um
abrigo. Sentiu-se estranha diante daquele balé desarticulado praticado pelas pessoas
no Parque Central. Sentiu-se muito estranha. E, de repente, um estrondo
gigantesco a fez cerrar os olhos, bruscamente. Um raio havia caído próximo ao
lago do Parque Central e, na sequência, veio o trovão. Ela lembrou que relâmpagos
e trovões causavam-lhe medo. Tanto medo quanto o causado pela solidão e pelo seu
coração estilhaçado. Sentiu-se estranha e triste, muito triste. Naquele momento,
ela pensou no beijo que ganhou naquele parque. Naquele mesmo parque. O Parque
Central. O primeiro beijo mas, ao contrário, havia muito sol na tarde daquele beijo.
Então, chorou como uma criança aflita e ela, que nem religião tinha, acabou
rezando para a tempestade passar. Apenas rezando para tudo passar e contando os
segundos para o trovão que explodiria depois do próximo relâmpago. Apenas
contando os segundos para o estrondo a acontecer
...
Assim,
de repente, ela lembrou.
Olhou
ao redor e largou sobre a vitrola, pois desistiu de ouvir, o vinil do Sonny
Rollins que estava em suas mãos e tantas lembranças trouxe naquele exato
momento. Percebeu, de forma surpreendente e inesperada, que já havia passado
tempo demais do último relâmpago.
Tempo
demais sem nenhum outro trovão.
Photo by Brian Lary from Free Images
Comentários