Pular para o conteúdo principal

O QUE VEM DEPOIS DO RELÂMPAGO?

OUÇA: alexander biggs || low

Assim, de repente, ela lembrou.

...

Ela lembrou que choveu muito naquela tarde. Muito mesmo. Mais do que em qualquer outro dia da sua vida que não aquele. Cruel. Ela lembrou que o tempo estava bom até então, mas o céu, caprichoso, optou pela rebelião. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito, mas muito mesmo naquela tarde. Como jamais ela pensou que poderia chover naquela época do ano ou em qualquer outra época, na verdade. Maldade. Ela recordou que estava no Parque Central, quieta, apenas pensando nas verdades que havia ouvido horas antes e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico em que a sua vida tinha se transformado. Lembrou-se, também, que não tinha feito tanto sol e nem tampouco estava abafado e, portanto, não havia razão para tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade gigantesca que se formou. Não mesmo. Ironia. Mas, ainda assim, tudo aconteceu. Ela não se deu conta e, de repente, o céu já estava cinza. Absurdamente cinza. Correu para qualquer lado, apenas com o intuito de escapar da tempestade. Não deu tempo. Ela foi rapidamente atingida por gotas enormes, capazes de molhar muito uma pessoa. Parou somente quando alcançou uma marquise de cimento muito feia, porém providencial, e que bem serviu para abrigá-la da tempestade. Desistiu. Sem ar pela corrida, sentou-se no chão inundado e acendeu um cigarro para foder de vez o seu pulmão. Tragou e respirou. Pôs-se a observar as pessoas correndo desajeitadas para um lado e para outro, à procura de um abrigo. Sentiu-se estranha diante daquele balé desarticulado praticado pelas pessoas no Parque Central. Sentiu-se muito estranha. E, de repente, um estrondo gigantesco a fez cerrar os olhos, bruscamente. Um raio havia caído próximo ao lago do Parque Central e, na sequência, veio o trovão. Ela lembrou que relâmpagos e trovões causavam-lhe medo. Tanto medo quanto o causado pela solidão e pelo seu coração estilhaçado. Sentiu-se estranha e triste, muito triste. Naquele momento, ela pensou no beijo que ganhou naquele parque. Naquele mesmo parque. O Parque Central. O primeiro beijo mas, ao contrário, havia muito sol na tarde daquele beijo. Então, chorou como uma criança aflita e ela, que nem religião tinha, acabou rezando para a tempestade passar. Apenas rezando para tudo passar e contando os segundos para o trovão que explodiria depois do próximo relâmpago. Apenas contando os segundos para o estrondo a acontecer
...
Assim, de repente, ela lembrou.
Olhou ao redor e largou sobre a vitrola, pois desistiu de ouvir, o vinil do Sonny Rollins que estava em suas mãos e tantas lembranças trouxe naquele exato momento. Percebeu, de forma surpreendente e inesperada, que já havia passado tempo demais do último relâmpago.
Tempo demais sem nenhum outro trovão.



Photo by Brian Lary from Free Images


Comentários

Lúcio disse…
Excelente, como sempre.
Valeu Lúcio... Obrigado mesmo!

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.

OS PEQUENOS MILAGRES DE SÃO JORGE. PEQUENOS?

- Lembra? - ela perguntou, com um sorriso feliz. - Do que, exatamente? Ando bebendo tanto que minha memória dissolveu de vez - ele retrucou, divertido. - De quando nos conhecemos? Lembra? Ele sorriu por um tempão e ficou olhando para aquela garota linda, ao seu lado. Simplesmente a sua melhor amiga.A pessoa com quem ele mais se importava. - Lembra ou não, porra? - ela perguntou ríspida, exibindo a total falta de paciência. Típica. - Claro que lembro - ele respondeu - Claro que lembro. Clube Varsóvia e o Edu nos apresentou. - Sei. - Claro que sabe, você queria dar para ele. - Tonto. - Queria sim. - Imbecil. - Deixa isso para lá. O que você quer saber exatamente, tirando o porra do Edu? - ele perguntou, curioso com a pergunta. - Estávamos no Varsóvia e você me disse algo que achei tão curioso para o lugar, para o momento, para tudo o que acontecia naquela hora. - O quê? - ele perguntou - O que eu disse de tão formidável e extraordinário assim? - Falávamos sobre alguma c
POSSO PEDIR DESCULPAS? Eu vou atualizar isso aqui...estou no meio de uma tempestade de coisas para fazer e não tem sobrado muito tempo para fazer o que gosto...escrever, por exemplo...mas eu prometo escrever e amanhã, antes do carnaval, postar um conto sobre isso, inclusive, carnaval... Alguém espera?
POSSO NÃO DESISTIR? eu escrevo esse blog há quase sete meses. E não é fácil escrever estórias, desenterrar memórias, abrir segredos...e sabe o que recebo no e-mail? "Hey, sua média de visitas é tão baixa...você acha que alguém se interessa? Que alguém quer ler o que escreve? "...e eu preciso responder e pensar que sim. Não importa se é uma, duas ou três pessoas...quem perde um minuto do seu precioso dia entrando aqui é uma pessoa muito importante para mim...uma pessoa muito especial...porque quer saber o que escrevo e não há felicidade maior do que essa... obrigado...espero não desistir tão fácil assim...
E QUEM DISSE QUE AS COISAS NÃO PODEM SER ASSIM? APENAS SIMPLES... - Pára! Ela ouviu a frase e virou a cabeça rapidamente. Queria saber de quem era aquela voz doce e suave, porém firme e ligeira, que havia dito a tal palavra para ela. - Pára! Assim – ele repetiu. Ela encarou o dono da voz com uma certa irritação. Apenas para disfarçar. Ele era lindo. Olhos escuros, cabelos pretos longos, um queixo quase barbado, regular e quadrado, e um sorriso sensacional. Estimulante. Aparentemente sincero e interessante. Ela apenas o encarou em silêncio, agora sem qualquer irritação disfarçada. Ele sorriu simpático, querendo quebrar o gelo – A posição do seu rosto daria uma foto. Um retrato lindo, sabe? Por isso pedi, quer dizer, quase mandei, né? Você ficar parada. Queria congelar o momento. Ela segurou um sorriso, apenas para querer parecer ser um pouco mais teimosa. Um pouco mais difícil. Ele ofereceu uma bebida. - Não sei o que está bebendo – ela disse – Como posso aceitar? Ele continuou com o co