Pular para o conteúdo principal

COMO SE FOSSE FÁCIL ALIMENTAR CAVALOS-MARINHOS COM AS MÃOS


Ela ligou o som em volume adequado.
Uma música eletrônica e instrumental.
Desligou as torneiras e experimentou a água na banheira.
Tocou de leve a superfície com os seus dedos finos e longos e constatou que estava na temperatura pretendida.
Quente. Extremamente quente.
Com alguns fósforos acendeu poucas velas azuis e laranjas sobre a pia e sobre as bordas da banheira.
Deitou os fósforos de lado e olhou ao redor.
Ficou satisfeita com seu velho banheiro.
Ficou satisfeita com o ambiente.
Deixou cair sua camiseta larga no chão e entrou devagar na banheira, prontamente sentindo o calor percorrer o seu corpo de baixo ao alto.
Uma pastilha efervescente de sais de banho.
Recostou e relaxou percebendo o vapor que lentamente preenchia a atmosfera.
Ficou em paz por um instante.
Sozinha.
Enfim, só.
Respirou fundo e observou as velas coloridas acesas sobre o tampo da pia.
Cromoterapia barata e particular. Uma terapia que nos últimos dias em nada a serviu.
No entanto, ainda assim ela insistia.
Encostou a cabeça e acendeu um cigarro. Mais um naquela madrugada. Mais um naquela vida.
Tragou fundo e lentamente soltou a fumaça.
Respirou devagar e começou a fazer o que menos queria. O que ela menos desejava naquele instante.
Ela começou a pensar.
Começou a pensar e pensar e pensar e repassar todas as bobagens que havia dito nos últimos dias, nas últimas horas. Todas as cenas que causou e foi protagonista.
Começou a pensar nele e no que não devia ter dito.
Mais uma vez ela pôs tudo a perder e não conseguia suportar a lembrança das lágrimas dele.
Definitivamente não.
Ela foi cruel e má. E a perversidade deveria ter um limite na natureza humana, mas não. Para ela não. Não conseguia evitar, por mais que sofresse depois. Sofresse demais depois.
Minutos passados da sessão de autoflagelo deflagrada por seus pensamentos inevitáveis, acendeu ainda mais um cigarro e observou as suas velas coloridas ainda acesas, já quase alcançando as suas respectivas metades.
Suspirou.
Cromoterapia barata e falível.
Nada dos sentimentos de alegria e sucesso atrelados á cor laranja, tampouco nada de tranquilidade e harmonia atribuídos á cor azul.
Nada.
Apenas mais um cigarro e mais pensamentos.
Mais pensamentos.
Antes ela cometia os mesmos erros, mas conseguia enganá-los com suas pílulas e a contemplação aos seus imaginários azulejos de veludo.
Agora, não mais.
Agora não havia mais pílulas e tampouco azulejos de veludo, imaginários ou não.
Havia apenas os erros.
Erros que ainda se repetiam.
Ainda.
E ela estava exausta de errar. Bastante cansada.
Estava exausta de sempre tentar e errar a interpretação dos sinais que a bombardeavam a todo o instante. 
Começou a pensar nele e nos seus olhos lindos e escuros e a remoer o que não devia ter dito.
Palavras que nunca deveriam ter sido ditas.
Lágrimas que nunca deveriam ser causadas.
Sentiu-se mal.
Sentiu-se má.
Impotente e incapaz.
Ainda mais uma vez em sua vida.
Ainda mais uma vez.
Como se fosse fácil evitar.
Como se fosse fácil entender o que se sente.
Como se fosse fácil alimentar cavalos-marinhos com as mãos.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

OS PEQUENOS MILAGRES DE SÃO JORGE. PEQUENOS?

- Lembra? - ela perguntou, com um sorriso feliz. - Do que, exatamente? Ando bebendo tanto que minha memória dissolveu de vez - ele retrucou, divertido. - De quando nos conhecemos? Lembra? Ele sorriu por um tempão e ficou olhando para aquela garota linda, ao seu lado. Simplesmente a sua melhor amiga.A pessoa com quem ele mais se importava. - Lembra ou não, porra? - ela perguntou ríspida, exibindo a total falta de paciência. Típica. - Claro que lembro - ele respondeu - Claro que lembro. Clube Varsóvia e o Edu nos apresentou. - Sei. - Claro que sabe, você queria dar para ele. - Tonto. - Queria sim. - Imbecil. - Deixa isso para lá. O que você quer saber exatamente, tirando o porra do Edu? - ele perguntou, curioso com a pergunta. - Estávamos no Varsóvia e você me disse algo que achei tão curioso para o lugar, para o momento, para tudo o que acontecia naquela hora. - O quê? - ele perguntou - O que eu disse de tão formidável e extraordinário assim? - Falávamos sobre alguma c
POSSO PEDIR DESCULPAS? Eu vou atualizar isso aqui...estou no meio de uma tempestade de coisas para fazer e não tem sobrado muito tempo para fazer o que gosto...escrever, por exemplo...mas eu prometo escrever e amanhã, antes do carnaval, postar um conto sobre isso, inclusive, carnaval... Alguém espera?
POSSO NÃO DESISTIR? eu escrevo esse blog há quase sete meses. E não é fácil escrever estórias, desenterrar memórias, abrir segredos...e sabe o que recebo no e-mail? "Hey, sua média de visitas é tão baixa...você acha que alguém se interessa? Que alguém quer ler o que escreve? "...e eu preciso responder e pensar que sim. Não importa se é uma, duas ou três pessoas...quem perde um minuto do seu precioso dia entrando aqui é uma pessoa muito importante para mim...uma pessoa muito especial...porque quer saber o que escrevo e não há felicidade maior do que essa... obrigado...espero não desistir tão fácil assim...
E QUEM DISSE QUE AS COISAS NÃO PODEM SER ASSIM? APENAS SIMPLES... - Pára! Ela ouviu a frase e virou a cabeça rapidamente. Queria saber de quem era aquela voz doce e suave, porém firme e ligeira, que havia dito a tal palavra para ela. - Pára! Assim – ele repetiu. Ela encarou o dono da voz com uma certa irritação. Apenas para disfarçar. Ele era lindo. Olhos escuros, cabelos pretos longos, um queixo quase barbado, regular e quadrado, e um sorriso sensacional. Estimulante. Aparentemente sincero e interessante. Ela apenas o encarou em silêncio, agora sem qualquer irritação disfarçada. Ele sorriu simpático, querendo quebrar o gelo – A posição do seu rosto daria uma foto. Um retrato lindo, sabe? Por isso pedi, quer dizer, quase mandei, né? Você ficar parada. Queria congelar o momento. Ela segurou um sorriso, apenas para querer parecer ser um pouco mais teimosa. Um pouco mais difícil. Ele ofereceu uma bebida. - Não sei o que está bebendo – ela disse – Como posso aceitar? Ele continuou com o co
DANÇAS DE AMOR SEM TECHNICOLOR Eles dançavam. O espaço era pequeno, a sala do apartamento dele era extremamente tímida e o sofá, de tão puído, já nem existia mais. Ótimo - ele gostava de pensar - Assim sobra mais espaço para a dança . E era exatamente a dança que impregnava a sala naquela noite cheia de estrelas tristes e gente dizendo adeus. Enquanto isso, eles dançavam. Ritmo suave e doce, quente e confortável, como um vinho bom. O ruído dos calçados deslizando pelo piso da sala era insinuante e ritmado, constante e adocicado, um tango bom. E eles dançavam felizes. Felizes como há tempos não estavam, como crianças novas, descobrindo amor. Lá fora a cidade era pura madrugada e testemunha. Apaixonada. Era a própria noite veloz que sabia do seu fim, do seu destino triste, da sua morte prematura e repetitiva provocada pela manhã implacável que sempre insiste em nascer, para desespero dos boêmios, para desespero dos amantes, para desespero dos jovens e velhos, daqueles que sabem viver. M