OUÇA: the fur || short stay
Ela
sacudiu levemente a cabeça, sem entender exatamente o que estava acontecendo.
O
barulho era conhecido e suave e vinha do aparelho que estava jogado sobre o
criado-mudo.
O
seu celular.
Ela
detestava toques aflitos e altos, então o dela era sempre ameno. Discreto.
Olhou
para o relógio com os olhos ainda quase cerrados e mal acreditou – Porra. Acabei
de pegar no sono caralho! Que tipo de imbecil liga para você a uma hora dessa? Depois
de três noites dormindo mal. Porra, se não for alguma urgência eu mato – pensou,
veloz e desconexa.
Agarrou
o aparelho e sequer viu o número estampado na tela.
Já
atendeu logo disparando irritada e sonolenta – Oui que s'est-il passé? –
perguntou rude, sem a menor boa vontade ou gentileza.
-
Mon petit amour. Feliz aniversário! – a voz respondeu.
Ela
estremeceu e não acreditou na voz tão familiar e doce que escutava do outro
lado.
Improvável.
Bastante
improvável.
Afundou
a cabeça novamente no travesseiro e soltou um sorriso sincero de alegria.
Um
misto de alegria e angústia.
Saudades.
Felicidade
em ondas sonoras.
-
Porra. Você sabe que horas são por aqui? – ela disse abafando uma risada.
-
Claro. Como poderia esquecer. O seu fuso horário eu não esqueço – ele respondeu.
Ela
gostou do que ouviu e provocou – Ah, claro, por isso fala comigo todos os dias,
mesmo depois de todo este tempo. Mais de ano - reclamou.
Ele
a ignorou e disse - Feliz aniversário querida.
Ela
ficou surpresa, pois ainda não tinha se dado conta de que dia era aquele.
Olhou
para o relógio, percebeu do que se tratava, sorriu e respondeu - Obrigado.
Obrigado – disse amável e, sem graça, completou – Mas, não podia esperar um
horário decente para me ligar? Tipo, depois do meu café da manhã? Ou talvez uma
mensagem – ela esfriou – Um conto? Você era bom nisso. Parou e disse em tom
baixo, mas ainda para ele escutar – Bem, no nosso caso, creio que ainda assim não
seria adequado.
Ele
sorriu e respondeu calmo - Claro que não. Bem, você sabe. Eu sempre gostei de
ser o primeiro a te cumprimentar e pelo muito que sei de fuso horário, aí em
Paris acaba de dar meia-noite. E não sou de mandar mensagens. Eu ligo e falo. É
melhor.
Ela,
definitivamente, despertou.
-
É, mas não ligou desde que eu cheguei aqui em Paris e você ficou por aí. Nunca
aceitou, não é verdade? “A vida é feita de escolhas”, não foi essa a babaquice
que você me disse um dia antes do aeroporto? – ela emendou, remoendo o que não
devia.
Ele
respirou fundo e desconversou - Então, o que importa é que eu pensei. E pensei muito.
Então, resolvi arriscar e ligar para te desejar todas as coisas boas que você
sempre merece e mereceu. Todas. Te desejar o melhor, antes de qualquer outra
pessoa.
-
É? – ela provocou – E se eu estivesse acompanhada? Pensou nisso?
Ele
respondeu alegre – Sim, eu pensei. No entanto, resolvi tentar a sorte e, caso
você estivesse acompanhada, seria a hora de a pessoa perceber e sair fora
imediatamente.
Ela
escutou e ficou em silêncio. Pensativa naquela hipótese.
-
Mas percebo que acertei – ele completou.
Em
tom de tristeza, ela disse - Se você tivesse me escutado, não tivesse sido
idiota, poderia estar aqui comigo agora e não parado aí, telefonando em
horários inoportunos. Tudo poderia ter sido tão diferente – concluiu.
Após
um breve silêncio, ele disse – Ou poderá ser. Poderá ser diferente. Como vamos
saber, não é mesmo?
Ela
ficou em silêncio e dispersa por um instante, apenas observando a chuva
molhando a janela do seu quarto.
-
Então... – ele disse - ... que tal ser mais ágil e sair da cama para abrir a
porta aqui do edifício. Está chovendo, sabia? E está frio. Eu tenho só uma mala
pequena, mas não é impermeável e as roupas dentro dela vão molhar. E muito.
Ela
olhou para o telefone surpresa e balbuciou – Mas... o quê? Edifício? Que
bobagem está dizendo? – perguntou.
-
Por favor. Libere a entrada. Talvez seja melhor eu te desejar feliz aniversário
pessoalmente, ainda que completamente ensopado – disse com uma voz alegre.
Ela
mal acreditou e sorriu como há tempos não sorria.
O
maior dos seus sorrisos.
Feliz,
surpresa e acelerada, como tivesse ganho o melhor dos presentes.
A
melhor das surpresas.
E,
na verdade, não é para isso que serve um presente de aniversário?
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