OUÇA: mini dresses || sad eyes
Três e meia da manhã e lá estava ela.
Acesa.
Acordada.
Acordada em plena madrugada, ainda mais uma vez.
Estava em pé observando a cena de guerra em que havia se transformado o seu quarto.
Cena de horror.
Roupas por todo lado.
Uma pilha enorme de peças, parte espalhada sobre a cama e parte jogada no chão, próximo da parede em que estava apoiado o
estojo do seu violino.
Tudo por todo o lado.
Roupas por todo o canto.
Roupas pretas, em sua grande maioria.
Sua cor predileta.
A sua cor predileta.
E ela estava acesa.
Muito acordada às três e meia da manhã.
Sabia, no fundo, que estava perdendo tempo ali, parada e observando,
pois metade daquelas roupas não ia caber na mala que ela (tentava) preparar para encarar aquela
viagem.
Pensou - “... mas... ainda há tempo. A porra do ônibus vai sair às oito. Ainda dá tempo”.
E havia mesmo tempo.
Tempo suficiente para tudo.
- Menos para não sentir medo – ela pensou ao perceber novamente o
frio crescendo em sua barriga.
Receio.
Sensação tão conhecida em sua vida.
Sensação tão conhecida.
Não, definitivamente não era fácil sair daquela cidade pequena, com vinte e poucos mil habitantes e ir,
em um arroubo, para aquela cidade imensa, cheia de som e fúria, cheia de rostos e cores.
Cores?
Sim, mas ela preferia preto.
Ela veste preto.
Sempre.
Equivocada, ela não se achava bonita de primeira, como aquelas garotas lindíssimas que os garotos, ou mesmo outras
garotas olham de cara e se apaixonam velozmente como adolescentes embriagados.
Não, ela não se percebia assim.
Tola.
Nunca foi isso.
Puro equívoco.
Tímida, ela veste preto para, com seus cabelos longos e muito negros, arquitetar
um quadro para neutralizar aqueles olhos gordos e verdes (absolutamente irretocáveis) que ela possuía.
Vontade de ficar invisível para as vinte e poucas mil pessoas que moram na mesma cidade.
Em vão.
Vã tentativa.
O preto dos cabelos e das roupas acentuava ainda mais o verde dos seus
olhos.
Ainda mais.
E perdida entre o frio na barriga e uma pilha de roupas à sua frente ela pensou como havia
chegado até ali.
Como havia tido a coragem de comprar a passagem e estar arrumando
aquela mala.
Como?
Vontade.
Vontade?
Sim, vontade.
Vontades.
Vontade de sorrir de novo; vontade de fazer o que nunca fez; vontade de
tomar cappuccino em um lugar sem
ninguém conhecido por perto; vontade de não precisar mais fazer autoanálise através de sites de contos; vontade de
conhecer o Clube Varsóvia; vontade de o violino caber na mala; vontade de sair dali; vontade
de não ter de explicar que sua cidade ficava perto de outra, maior e mais
conhecida; vontade de ir e voltar para aonde estava; vontade de andar sob a
chuva; vontade de cantar; e, principalmente, vontade de se apaixonar e não ver isso como um erro como tantas
outras vezes ela assim considerou.
Vontades.
Apenas vontades.
Mas uma coisa era absolutamente certa, ela pensou enquanto empurrava a última peça de roupa para dentro da mala – “Eu nunca vou deixar de vestir preto.
Nunca”.
E fechou a sua bagagem com um sorriso no canto da boca e um brilho
delicioso e genuíno em seus gordos e deliciosos olhos verdes.
Estava feliz.
Apenas feliz, como há tempos não se sentia.
A garota veste preto.
A garota tem vontades.
A garota está viva.
E há algo melhor?
Photo by Renáta Zaja from FreeImages
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