Pular para o conteúdo principal
QUANDO SEMPRE FALTA ALGO...

Era quatro e meia da manhã. O bar estava quase vazio. Quase. Havia uns poucos clientes espalhados aqui e acolá, todos sendo servidos por garçons cansados e exaustos que mal podiam esperar para vê-los pelas costas.

Diferentemente dos demais, ela estava sozinha. Como sempre. Lá estava ela, ainda mais uma vez, sentada e acompanhada apenas por seus cigarros, seus pensamentos, sua tequila e seus papéis.

Estava escrevendo sem parar desde que chegou. Escrevendo e escrevendo e escrevendo. Palavras desconexas, palavras coloridas, palavras doces, palavras confessionais. Ela estava escrevendo uma carta para alguém. Uma pessoa querida, bastante querida. Ela sabia que naquele texto estava toda a sua declaração de amor por aquela pessoa. Toda. Não havia sequer uma palavra a mais do que o necessário. Tudo o que ela sempre quis dizer a ele estava lá, naqueles pequenos guardanapos amassados de papel vagabundo. Entre tragadas de cigarro sem filtro e goles de tequila barata, ela dissecou toda a sua vida, todo o seu amor, toda a sua dor. Aproveitou que estava quase embriagada. Aproveitou para afastar o medo e escrever tudo aquilo que sempre sonhou. Aproveitou o bom senso turvo e decidiu se abrir. Como nunca. Como sempre quis.

Ao final do décimo guardanapo, ela decidiu ir embora. Com os olhos vermelhos e cansados e cheios de lágrimas ela decidiu ir embora.

- Ei moça... – disse o garçom, enquanto ela saía do bar.
Ela se virou e perguntou – Eu?
- Isso mesmo. Você esqueceu isso – ele disse, apontando para os guardanapos escritos.
- Pode deixar aí mesmo – ela respondeu, disfarçando as lágrimas.
- Ué. Não entendi. Você passou a madrugada toda escrevendo nesses papéis e agora vai embora, deixando-os aqui. Jogados no lixo. Isso não está certo.
Ela o olhou com um sorriso terno e disse – Então não jogue fora. Isso é mais ou menos como uma declaração de amor. Dê para alguém que você ame.
Ele olhou-a desconcertado e perguntou, confuso – Mas, porque você não a entrega para quem você escreveu?
Ela apenas sorriu e disse tranqüila antes de sair em definitivo do bar – Entregue para alguém que você ame. Apenas entregue para alguém que você ame. E tenha uma boa sorte com isso. E tenha uma boa sorte no amor...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,