Pular para o conteúdo principal
CORREDOR POLONÊS

O gosto do arrependimento na boca não é bom. Definitivamente não é bom. É como o gosto de sangue. É gosto amargo, um gosto azedo, um gosto forte, um gosto bobo, um gosto ruim. O gosto do arrependimento na boca não é bom. Nada bom. É o gosto do desgosto, é o gosto que não quero sentir, nem reviver. É o gosto da derrota. É o gosto da perda. É como ficar sem o grande amor, ser esquecido, ficar doente, como consultar o saldo bancário vermelho, perder tempo, como se iludir, como se perder, como ficar à margem da vida. Como ficar à margem de tudo e de todos que realmente importam. É como estar quieto, solitário e triste. O gosto do arrependimento não é nada bom. Mesmo. Talvez você ainda não o tenha sentido. Talvez. Poucos podem se atribuir esta façanha. Poucos. Mas, na verdade, talvez você ainda não tenha se dado conta de que já o sentiu, sim. Talvez você ainda não tenha percebido que todas as noites, enquanto você tenta dormir, é este gosto incômodo que o faz rolar e rolar e rolar pela cama. Insone como eclipse. Insone e desconfortável, personagem principal de um baile. O baile de carnaval dos derrotados. O baile de carnaval dos afogados. Um baile de carnaval sem pierrot, serpentina e lança-perfume. Um baile de carnaval numa quarta feira de cinzas. Inapropriado. Deslocado. Sem graça. Assim como eu. Assim como você. E, por fim, para completar, além do gosto amargo do arrependimento, a porrada se faz ainda mais louca e insana e brusca depois de toda a crueldade da palavras disparadas. Palavras disparadas sem cuidado, sem zelo, sem proteção, sem carinho, sem mentiras, sem nada que amorteça o seu impacto. Verborragia cruel e perigosa. Que machuca demais. Palavras ditas como soco inglês. Palavras ditas como se fossem um corredor polonês. Socos, chutes, pontapés e porradas. Um corredor polonês de vogais e consoantes. Corrente bomba atômica servem para a mesma coisa? Palavras também. Palavras também, meu chapa. E mesmo sendo velho demais para tudo isso que me cerca, mesmo sendo velho demais para a minha vida, o fato é que é a ela que estarei ligado até o fim de tudo. O fim do meu tudo. O meu fim. E se há drama, há verdade. Se há luz, há fumaça. Se há ilusões, há Varsóvia. Nado em águas rasas porque não sei nadar. Gostaria de poder aprender. O oceano é muito fundo para quem tem canelas longas. Fundo demais. Fundo demais...

Comentários

Frexxxx disse…
bonito texto
carol disse…
há alguns anos decidi abolir 'arrependimento' dos meus sentimentos. os sapos e lagartos começaram a me servir de alimento, mas ainda assim o gosto é desesperante.
bom ter você de volta, stranger :)

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
E QUEM DISSE QUE AS COISAS NÃO PODEM SER ASSIM? APENAS SIMPLES... - Pára! Ela ouviu a frase e virou a cabeça rapidamente. Queria saber de quem era aquela voz doce e suave, porém firme e ligeira, que havia dito a tal palavra para ela. - Pára! Assim – ele repetiu. Ela encarou o dono da voz com uma certa irritação. Apenas para disfarçar. Ele era lindo. Olhos escuros, cabelos pretos longos, um queixo quase barbado, regular e quadrado, e um sorriso sensacional. Estimulante. Aparentemente sincero e interessante. Ela apenas o encarou em silêncio, agora sem qualquer irritação disfarçada. Ele sorriu simpático, querendo quebrar o gelo – A posição do seu rosto daria uma foto. Um retrato lindo, sabe? Por isso pedi, quer dizer, quase mandei, né? Você ficar parada. Queria congelar o momento. Ela segurou um sorriso, apenas para querer parecer ser um pouco mais teimosa. Um pouco mais difícil. Ele ofereceu uma bebida. - Não sei o que está bebendo – ela disse – Como posso aceitar? Ele continuou com o co

Brindando Palavras Repetidas

  leia e ouça: richard hawley || coles corner - Você é repetitivo. Ele a olhou com uma surpresa muda,  - Você é muito repetitivo - ela disse, certeira, sabendo que o havia atingido em seu ponto mais fraco, mais vulnerável, mais dolorido. Não sorriu. Ele a olhou com certa surpresa sabendo que, no fundo, ela estava certa - Como assim? - perguntou, querendo ter certeza. - Repetitivo. Repetitivo. Você usa as palavras de forma inconsequente e repete sempre as mesmas coisas. Faz isso o tempo todo. - Faço? - ele disfarçou. Ela então sorriu levemente - Claro que faz. Mas o que me deixa ainda mais fascinada é esta sua cara de pau. Você sabe que é assim, desse modo, desse jeito e ainda assim continua nesta direção. Ele fingiu indignação, mas por puro orgulho. Ela estava absolutamente certa. Ele tomou um gole do que estava bebendo e ficou quieto, esperando a próxima porrada. - Não? Você não sabe disso? - ela insistiu. - Talvez - admitiu, sem admitir. - Então, por que você não tenta mudar? - Você