Eduarda cantarolou baixinho
como uma idiota a canção assim que a ouviu ecoando das caixas de som da sua
velha vitrola. Suave e conhecida melodia. Densas e conhecidas memórias.
Angústia e constrangimento pelos erros cometidos. Erros praticados e repetidos.
Erros perpetrados sem cuidado, em uma espécie de looping eterno. Erros. Apenas erros com os quais ela tinha
intimidade dada a insistência em cometê-los. Eduarda fechou os olhos lentamente
e tamborilou os seus longos e finos dedos de desenhista sujos de carvão na
amassada caixa de fósforos, esperando com o cigarro apagado descansando em seus
lábios, ainda mais lindos na cor cereja. Ela cantarolou baixinho uma última vez.
Uma última vez. Sabia que a música acabaria logo e ela? Bem, Nanda já estaria
com as malas feitas e fora do quarto, pronta para sair antes mesmo de a porra
da canção terminar. Pensado e ocorrido. Assim que abriu os olhos Eduarda viu
Fernanda parada em frente ao quarto com a sua mala pronta e a mochila nas
costas. Aquela linda garota ruiva, agora com o rosto delicado todo vermelho e
congestionado pelo choro, ia mesmo embora. Ia mesmo embora sem dizer uma
palavra. Sem perdoá-la. Antes de Fernanda chegar à porta, Eduarda jogou a
amassada caixa de fósforos e o seu cigarro ainda apagado bem no meio da
montanha de fotos antigas espelhadas pelo tapete bagunçado da sala e correu em
direção à porta. Trêmula, apenas perguntou:
- Nanda? Posso te perguntar uma
coisa, uma última vez?
Fernanda abaixou os olhos
borrados e assentiu com a cabeça, balançando os seus longos e agora
desordenados cabelos ruivos. Nada falou.
Eduarda emendou, aproveitando o
silêncio:
- É sério isto? Você não vai me
dar uma última chance? Uma última chance? Uma última vez?
Fernanda levantou a cabeça e a
encarou com raiva, muita raiva e desprezo e nenhuma frieza. Um olhar
devastador. Devastador. Apenas disse em um tom baixo e fatal:
- Tem mesmo certeza que quer
saber a resposta? Depois de tudo? Mesmo depois de tudo? Certeza? – concluiu afastando Eduarda de seu
caminho para abrir a porta e sair daquele apartamento deixando tudo para trás.
E fechou a porta com força.
Foi embora.
Definitivamente.
Eduarda caiu de joelhos naquela
sala agora assustadoramente vazia com um choro desolador. Desolador.
Percebeu, entorpecida, que a
canção não mais ecoava através das caixas de som da sua velha vitrola. Não
mais. A suave e conhecida melodia do silêncio estava agora misturada ao som do
seu choro copioso e desesperado e tornou-se a trilha sonora daquele filme.
Daquela exata cena. Triste e conhecida cena. Denso e repetido negativo. Densa e
recorrente memória. Angústia e constrangimento pelos erros cometidos. Erros
praticados e repetidos em uma espécie de looping
eterno. Erros e a insistência em fazer de tudo para não ser feliz. Para não
ser feliz.
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