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QUANTOS ACORDES TEM UMA BALADA?

OUÇA: fazerdaze || little uneasy


- Você está tenso, né? – ela perguntou enquanto olhava para ele, todo encolhido no canto da sala, mexendo e brincando com o copo americano vazio nas suas mãos.
Ele parou o que estava fazendo e a olhou com certa seriedade e balbuciou – Tenso? – perguntou e prosseguiu agora em alto som – Tenso? Tenso? Claro que não. Não há razão para isso.
Ela sorriu e o compreendeu. Ficou em silêncio.
Ele apoiou o copo vazio sobre a mesinha de canto ao seu lado e se levantou.
Deu algumas voltas em círculo pela sala, esquecendo completamente o que ela havia dito anteriormente.
Completamente longe.
Distante demais.
Ela apenas o observava em silêncio, quieta e paciente.
Apenas esperando ele falar alguma coisa.
Apenas esperando.
- Então... – ele começou a falar, para na sequência emendar - Ah, esquece – concluiu, sem nada acrescentar.
Após alguns segundos ela falou - Não te entendo, sabia? – disse, em tom extremamente doce.
Ele parou e a encarou novamente e disse – O quê? O que não entende?
Ela sorriu e disse – Você.
Ele a olhou com surpresa – Eu? Você não me entende? – perguntou aflito.
Ela balançou a cabeça e foi taxativa – Não. Não te entendo.
- Posso saber a razão, senhorita que sabe de tudo? – ele perguntou com notável rispidez.
- Você não passou tempos, dias, meses e anos, me falando que queria fugir e fugir e fugir e mudar e ir para a Finlândia, Islândia, Groenlândia, cacetelândia, sei lá que porra de “lândia” para recomeçar? Não me enchia o saco com isso? Então? Agora que aparece a oportunidade, que te respondem da bolsa, que você vai ganhar uma grana e que não vai ter que lavar pratos para sobreviver, você não quer ir? Por medo? Simples assim? – ela concluiu com satisfação por ter acertado o ponto.
Ele a olhou quase com raiva por perceber como ela o conhecia, o entendia, o decifrava.
Como ela o conhecia tão bem.
- Na verdade é outra coisa – ele disse – Outra coisa. Não medo.
- É? – ela perguntou incrédula – O que é então, tão importante, que te impede de simplesmente pegar as suas coisas e ir embora. Cuidar da sua vida. Você que sempre quis isso. Não eu. Não eu! – ela quase gritou.
Ele a olhou tentando disfarçar as lágrimas gordas que começaram a formar em seu rosto e disse – Eu não posso te deixar aqui e ir sozinho.
- Não? – ela perguntou menos irritada.
- Não – ele completou – Não posso. Você ainda não toca Angie dos Stones no violão. Eu preciso te ensinar direito. Só saio daqui depois disso – disse firme, enquanto a envolvia em seus braços em um forte e tão carinhoso abraço.
Abraçada por ele, ela ignorou as próprias lágrimas que queriam nascer e esboçou um discreto sorriso ao lembrar, muito feliz, que teria tempo. Todo o tempo do mundo.
Ao lembrar, muito feliz, que até aquele momento jamais havia tocado um acorde sequer em qualquer violão em toda a sua vida.
Um acorde sequer.


Photo by D. Carlton from FreeImages


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NUCA

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