Pular para o conteúdo principal

Brindando Palavras Repetidas

 

leia e ouça: richard hawley || coles corner


- Você é repetitivo.

Ele a olhou com uma surpresa muda, 

- Você é muito repetitivo - ela disse, certeira, sabendo que o havia atingido em seu ponto mais fraco, mais vulnerável, mais dolorido. Não sorriu.

Ele a olhou com certa surpresa sabendo que, no fundo, ela estava certa - Como assim? - perguntou, querendo ter certeza.

- Repetitivo. Repetitivo. Você usa as palavras de forma inconsequente e repete sempre as mesmas coisas. Faz isso o tempo todo.

- Faço? - ele disfarçou.

Ela então sorriu levemente - Claro que faz. Mas o que me deixa ainda mais fascinada é esta sua cara de pau. Você sabe que é assim, desse modo, desse jeito e ainda assim continua nesta direção.

Ele fingiu indignação, mas por puro orgulho. Ela estava absolutamente certa. Ele tomou um gole do que estava bebendo e ficou quieto, esperando a próxima porrada.

- Não? Você não sabe disso? - ela insistiu.

- Talvez - admitiu, sem admitir.

- Então, por que você não tenta mudar?

- Você quer que eu diga o quê? Quer que eu faça o quê? Quer que eu pegue um dicionário e use as mais estapafúrdias palavras? Quer que eu use os mais diversos adjetivos, substantivos, artigos, enfim, as mais mirabolantes saídas da língua portuguesa para dizer algo que sinto de outra forma?

Ela o encarou seca e disse - Fale menos. Não insista no que não é real. Não tenha medo. Viva - ela disparou, como um direto em seu queixo.

Ele levantou-se do sofá azul veludo e foi direto em direção ao aparelho de som.

Ela o observou e prosseguiu - Você erra quando volta em looping em assuntos antigos, assuntos passados, assuntos esquecidos, assuntos desnecessários. Você retoma o que está enterrado, você acerta em tantas coisas, mas erra em tantas outras. Tantas outras. Você sabe o que significa o presente? O momento atual? Agora? Você sabe? Dá para esquecer os seus, os meus, os deles, os erros, os acertos, as escolhas, whatever, o que quer que seja e de quem quer que seja? Dá para ter apenas o “agora” e o “futuro”? Sem mais o que passou, o que não mais existe e o que não se pode mudar. Dá para ter o agora?

Ele parou, respirou e a olhou bem fundo em seus olhos verdes para perguntar - Lembra daquela nossa conversa sobre filmes na semana passada?

Ela puxou a memória e concordou com a cabeça, enquanto observava ele mexer nos seus vinis velhos.

- Então, acho que descobri qual foi um dos filmes que mais me tocaram na adolescência.

Ela levantou a sobrancelha surpresa com a mudança de rumo da conversa e disse - Qual? - perguntou verdadeiramente curiosa.

- Rumble Fish.

- O quê? - ela perguntou, surpresa.

- Rumble Fish. O “Selvagem da Motocicleta”, do Coppola.

Ela assentiu com a cabeça - Ah, sei. Emotivo?

- É.

- Não tenho a menor ideia da razão - ela disse.

- Assiste ao filme de novo. Ele trata sobre todas as coisas. Sobre tentar ser o que não se consegue. Sobre tentar ser aceito e sobreviver, Sobre ter medo. Sobre crescer, sobre enxergar o mundo. Sobre ver cores em um mundo preto e branco. A personagem principal não enxerga cores. E adora aquários, O rapaz do filme adora peixes, principalmente aqueles solitários que vivem separados em bowls próprios. Peixes de briga. Rumble Fish. Sozinhos. Apenas dançando sem ninguém por perto por toda a sua vida. E, mesmo imaginando como são lindos os seus movimentos e as suas formas, a personagem do filme apenas cria em sua cabeça como devem ser bonitas aquelas caudas e barbatanas imponentes. Cheias de cores que o mocinho não pode ver.

Ela o encarou por instantes e disse - Interessante. Não imaginava que VOCÊ fosse assim.

- Assim como? - ele perguntou, segurando o vinil preto que havia acabado de escolher.

- Assim, deste jeito. Alguém querendo descobrir as cores em ambientes monocromáticos.

- "Monocromáticos"? Isso é filosofia? - ele brincou..

Ela gargalhou.

- Sério, não entendo essas coisas - ele disse.

Ela prosseguiu e emendou - Sou obcecada por coisas interessantes. E você é interessante. Apenas isso. Apenas isso. O que escolheu?´- tentou mudar o tema.

- Um disco de rock triste, repleto de canções de amor.

- Canções tristes para uma sexta à noite?

- Não, canções de amor para quem ama - ele respondeu. 

Ela sorriu e ele prosseguiu - E, sim, sou uma pessoa que quer enxergar cores em um mundo monocromático e cinza. O meu, o meu mundo, antes um tanto quanto cinza. Muito cinza. E, quer saber? Eu consegui. Em fevereiro, eu consegui acessar as cores e no meu mundo antes monocromático, passei a percebê-las MUITO bem. Muito bem. Principalmente o verde. O verde em você. Nos seus olhos. O esmeralda do seu olhar que tanto me encanta e me fascina e me faz te amar. Te amo.

Ela sorriu, com lágrimas de alegria querendo transbordar de seus olhos.

- Não chore, brindemos - ele continuou com alegria.

- A quem? À filosofia? À cor verde?

- Não - ele sentenciou - Brindemos às palavras repetidas.

- Palavras repetidas? - ela perguntou.

- Exato. Brindemos às palavras repetidas e em especial uma que não canso de repetir e repetir e repetir: amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor. Mil vezes amor.

Ela desabou a chorar e ele disse - Amor. Excelente palavra. Brindemos. Eu te amo e repito quantas vezes isso for necessário - ele gritou antes de prosseguir - Eu te amo e repito em looping. Eu te amo, eu te amo. Mesmo à exaustão, as palavras repetidas podem ser úteis. Mesmo repetidas à exaustão, elas podem nos levar aonde menos sonhamos. Elas podem nos levar ao que sempre buscamos e levamos uma vida inteira para encontrar. Palavras repetidas. Depende de quais são tais palavras, depende apenas de quem as usa, de quem as lê, de quem as escuta. Depende apenas disso. E eu digo e repito infinitamente: Amor. Eu te amo…..

E se beijaram como nunca, como sempre, como agora…

Com… amor


E, lá fora, a lua insistia em brilhar, para celebrar aqueles que reconhecem seus erros, aqueles que tentam acertar, se respeitam, querem viver e, principalmente, celebrar todos aqueles que se amam e se amam e se amam e se amam e se amam

como eles

…. 

verdadeiramente...

infinitamente...

repetidamente…

como eles...


Photo By Leon Herschtritt





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios. ...

FIREWORKS

- Ai, que merda! - ela gritou, visivelmente irritada. - Tá louca? - ele respondeu, surpreso com o tom de voz dela. - Odeio esta música. DJ idiota - ela emendou - O Clube Varsóvia já foi melhor. Imbecil de escolher isto para o ano novo. - Você é louca? - ele perguntou, sério. - Não, porra, sou louca não. - Mas parece. Caralho. Há quanto tempo você vem no Varsóvia e NUNCA disse isso. O que há? Algum problema? - ele perguntou. Ela balançou a cabeça e seus olhos ficaram cheios de água - Nada - ela disse e confirmou - Nada. Não aconteceu porra nenhuma. - Como assim, nada? - ele questionou - Desde quando você fica transtornada assim? Por tão pouca coisa? Desde quando uma canção escolhida por um DJ idiota te tira do sério? - Nada, puta que o pariu. Nada. Pode ser? - ela disse, bastante brava. - Qual seu problema Lisa? Posso saber? Ela apenas abaixou a cabeça. - Me diz - ele insistiu. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e emendou - Hoje é primeiro de Janeiro. Ele a olho...

Luar || Penumbra || Sonho || Amor

leia e ouça: Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You “ Watch the sky, you know I Like a star shining in your eyes Sometimes I wonder why Just wanna hold your hands And walk with you side by side I know you know I love you, baby I know you know I love you, baby ” (Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You) Penumbra. Madrugada. 4:10 da manhã. Luz? Apenas a luz do luar combatendo as frestas da persiana mal fechada e que estava sofrendo bastante com as rajadas do vento cortante vindo ao seu encontro de forma incessante e dura. Sábado. Frente fria. Penumbra. Madrugada Amor. 4:13 da manhã. Luz? Apenas a dela. Do delicioso e escultural corpo. Dela. Aquele corpo nu ao seu lado, descoberto delicadamente e de forma não intencional pelos movimentos da noite. Linda. Sensual. Impecável. Escultura para os apaixonados. Como ele. E ele apenas a observava sob a luz do luar forte. Lua cheia. Lua cheia de amor, paixão, ímpeto, vontades, desejos, lua cheia. Lua cheia de vida. Lua cheia d...

Talvez

leia e ouça: Sinéad O'Connor || Love Letters   “ Love letters straight from you heart Keep us so near while apart I'm not alone in the night When I can have all the love that you write I memorize every line And I kiss the name that you sign, oh And darling then I read again Right from the start Love letters straight from your heart ” Talvez Talvez ser Talvez crescer Talvez nascer Talvez viver Talvez morrer Morrer? Não Talvez… Apenas talvez Talvez Talvez ser Madrugada Olhos da lua Cores fatigadas Talvez Talvez apenas ser Vida cruel que suga e é sugada Talvez Ser Talvez todo dia Talvez toda noite Talvez todo dia Talvez sorte  Talvez não Talvez má sorte Talvez não Talvez bom azar Talvez não Talvez tudo Talvez nada Talvez vida Talvez morte Talvez uma jornada Talvez Talvez necessário dizer  O que precisaria ser dito Talvez não manter Abafado este grito Talvez Talvez beleza Talvez tristeza Talvez grandeza  Talvez lerdeza Talvez vida Talvez não Talvez tudo Talvez nada ...