Pular para o conteúdo principal

DESENHO


- E se você desenhasse? Apenas desenhasse com carvão ou giz de cera ou lápis de cor em um papel vagabundo qualquer? Pode ser papel de pão – ela perguntou com um brilho maligno e sacana estampado no seu adorável olhar castanho. Adorável olhar castanho.

Ele engoliu em seco e nada disse. Ficou tímido.

- Ficou mudo? – ela insistiu - Desenhar? Sabe o que quer dizer? Se não consegue falar, escrever, tocar qualquer instrumento, talvez você possa desenhar. Nunca vi uma porra de um escritor não saber escrever. Foda não? Limitações são realmente frustrantes – ela provocou – Precisa desenhar então que desenhe. Apenas desenhe. Não resta qualquer outra possibilidade ou alternativa ao senhor. Não disse que não entendo nada? Porra nenhuma? Que você precisa “desenhar”? Vai lá – provocou.

- Você é uma tremenda filha da puta – ele esbravejou - Vai provocando, vai - ameaçou sem a menor ameaça. Um bobo. Um tolo. Ameaça de um menino bobo e velho.

Ela sorriu.

Ele tremeu.

- Vamos lá. Então escreve. Faça o que você sabe fazer de melhor. Quer dizer, não é lá estas coisas a sua escrita, as coisas que você escreve, mas é muito, mas muito melhor do que as outras coisas que você faz. Tenha certeza disto – ela zombou perversa e adorando o controle da situação, adorando o controle da situação através daqueles malignos e magníficos olhos castanhos.

Ele ia tomar um gole de vodka, cheio até o talo, porém foi brusca e violentamente interrompido por ela.

- Nem fodendo meu caro. Nem fodendo otário. Hoje não. Já não escolheu tomar os seus remedinhos rosa hoje? Então, perdeu trouxa. Vodka já era. Babaca. A vodka vai para o fundo do ralo da pia. Esta noite não.

Ele ficou ainda mais nervoso. Acendeu um Marlboro e olhou através da janela da sala o céu cinza e lindo que estava se formando naquela metrópole insana em que ele vivia. A tempestade estava prestes a desabar. Prestes a desabar. Ele estava com medo. Muito medo.

- Vai desenhar? – ela insistiu – Ou prefere escrever?

- Vá se foder – ele respondeu.

Rápido, sentou na velha e maldita cadeira de madeira da sala e pegou a porra do seu caderno e sua caneta preta velha. Sim, velhos ainda usam cadernos e canetas velhas. Ficou lá, sentado com seus Marlboros acessos intermináveis escrevendo e escrevendo e escrevendo. Horas escrevendo enquanto a tempestade desabava lá fora na metrópole repleta de raios e trovões. Ela, agora intimidada, apenas observava sentada no puído sofá vermelho da sala. O puído e velho sofá vermelho da pequena sala daquele minúsculo apartamento. Ele escrevou por horas. Horas e horas. Ao terminar, ele simplesmente arrancou as páginas escritas e as entregou a ela de joelhos. Como um cavalheiro. Como um cavalheiro. Entregou com a sensação do dever cumprido. Como David Bowie em Heroes. Jamais havia escrito algo tão doce, tão honesto, tão sincero e tão apaixonado. Jamais. Ela chorou. Ele também. Abraçaram-se, beijaram-se, foderam ao longo da noite como insanos por muito tempo naquele puído sofá vermelho.

Depois, com os relâmpagos já baixos ao fundo daquela madrugada e a manhã nascendo ele apenas disse - Posso tomar minha vodka agora? – perguntou, menino, menino, menino... Um tolo.

Ela apenas sorriu e lhe deu um beijo.
Apaixonados...


Comentários

Lô. disse…
Preferido.

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.

Quando Você Ama…

  leia e ouça: surf curse || freaks “...Don't kill me just help me run away From everyone I need a place to stay Where I can cover up my face Don't cry, I am just a freak I am just a freak I am just a freak I am just a freak…” (Surf Curse || Freaks) Quando você vive, você erra. Todos nós. Todos. Todos nós erramos, de um jeito ou de outro. Faz parte. Quem nunca errou? Quem nunca? Só quem não viveu. Quando você vive, você se expõe e acaba errando, cedo ou tarde. Mente quem diz que nunca errou, uma vez que certamente também errou em algum momento da vida e tenta negar isso. Eu? Se eu errei, omiti e menti? Sim. Certamente. Muito. Mais do que seria razoável, muito mais do que seria razoável. E só os Deuses sabem como foi difícil e errado e como me arrependo. Arrependimento? Muito. Arrependimento real e verdadeiro. Mas, a verdade é o mais importante. Sempre. E demorei a entender isso. Demorei MUITO. Muita porrada para entender isso. Muita porrada para entender isso. A transparência.

Ela, A Mulher da Minha Vida

leia e ouça: champagne supernova || vitamin string quartet tribute to Oasis Ah, se eu não tivesse me omitido. Ah, se eu não tivesse traído (ainda que sem querer, mas é sempre sem querer, né? Sempre. Sempre um erro ou vários. Muitos). Ah, se eu tivesse me tratado. Ah, se eu tivesse perguntado. Ah, se eu não tivesse me auto sabotado. Sempre. Ah, caso eu tivesse apenas existido de forma tão transparente. Ah. Eu não a teria perdido. Tantos ahs. Tantos. E sobra a tristeza, o chão, a queda, o ralo, as mentiras, as dívidas, enfim, sobra nada. Nada. E tudo de dor. Em excesso. Compulsão. Ah, se eu tivesse vivido. Ah, se eu tivesse sido simples. Otário. Eu. Muito prazer. Eu. Ah, se eu tivesse pedido ajuda. Ah, caso eu tivesse vergonha na cara. Ah, caso eu tivesse espelho em casa. Ah. Tantos ahs. Tantos. Mas, agora, eles não resolvem. Os ahs vieram tarde demais. E dói. Muito. Mas sigo. Seguirei. Triste, em lágrimas, chorando, tentando e vivendo. Do jeito que der. Do jeito que dá. Aprendendo. Apre