COMO SE APENAS A BOA SORTE PUDESSE AJUDAR
Ela entrou no seu quarto escuro. Não acendeu as luzes. De modo algum. Preferiu acender apenas uma vela de cor barbante ao invés de ligar a luz. Ao menos era possível enxergar o que precisava. Na verdade, não precisava nem enxergar muito. Já havia deixado tudo preparado. Tudo. Era só pegar as roupas que gostava mais, os seus cigarros, alguns poucos livros e um ou dois discos que gostava mais. Não precisava mais do isso. Não sabia se o lugar para onde estava indo podia acomodar muito mais do que isso. Seu corpo não parava de coçar. As feridas estavam irritando. Em poucos minutos ela arrumou tudo. Colocou sua pequena mochila em cima da cama e pôs-se a observar o seu quarto. Uma última contemplação. Seus olhos foram e voltaram e quando ela deu-se conta, estavam cheios de lágrimas. Mas não eram apenas lágrimas de alívio. Eram lágrimas de dor, de ódio, de revolta, de saco cheio, de arrependimento por não ter tomado qualquer atitude antes. Por não ter percebido que a sua vida e a de mais ninguém era o que, de fato, importava. Sabia que não tinha tanta força assim, mas, fazer o quê? Saiu do quarto sem olhar para trás, batendo a porta com muita força. Ele não estava lá e ela deixou a casa sem se despedir. Sem dar um último abraço. Parou do lado de fora e sentou-se no meio fio. Estava chovendo muito, porém isso não a incomodou. Começou a chorar com muita, mas muita força, como se o seu grito pudesse tirar toda a dor, como se a tempestade pudesse limpá-la e como se a maldita coceira pudesse sumir. Depois de alguns minutos, acendeu um Marlboro molhado e começou a andar pela rua, deixando tudo aquilo para trás, como se isso fosse possível...
Do lado de dentro, em cima da mesa da cozinha, apenas um bilhete de adeus e um desejo de boa sorte...nada mais do que isso...nada mais...
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