Pular para o conteúdo principal
ESPELHOS LOUCOS (TRANSFORMANDO SÁBADOS EM DOMINGOS)

E lá estava ela. Mais uma vez. Sentada àquela mesa de bar, olhando o movimento de pessoas estranhas, de pessoas comuns, de pessoas normais, de pessoas rasas, lotadas, aborrecidas. Olhando o copo de cerveja que ficava um pouco mais vazio a cada gole. Olhando os garçons, graciosos e mal humorados, levando e trazendo bandejas e copos e bebidas e comidas e cinzeiros sujos e cinzeiros limpos.

E lá estava ela. Ainda mais uma vez. Sentada àquela mesa de bar, olhando os sorrisos dos outros e lembrando dos seus próprios sorrisos antigos. Próprios sorrisos antigos. Bem antigos.

Sentada àquela mesa de bar. Tão dela e de suas preciosas amigas. Parecia que nada poderia devastar aqueles sonhos, aqueles desejos, aqueles beijos, aquela amor, aquela poesia, aquela loucura. “Quando eu queria mudar o mundo, meu carro vivia cheio de gente” – ela pensou, nostálgica, lembrando dessa frase profética, contida em um encarte de um velho disco de vinil que ela nem lembrava mais qual era. É, quando eu queria mudar a porra desse mundo, nem precisava de carro – completou, enquanto pedia a conta.

E assim, lacônica, a noite chegou ao fim.

Ela tomou lá as suas costumeiras cervejas, mas com uma diferença, uma ENORME diferença: ela estava sozinha. Sozinha...completamente.
Ninguém veio, ninguém foi, nenhuma delas, nenhuma delas. Todas as cinco “inseparáveis” amigas. Todas as cinco “inseparáveis” amantes. Todas as cinco “inseparáveis” irmãs. Nenhuma delas.

E ela pagou a conta e enquanto saía do bar, foi surpreendida por uma grata melodia sussurrada pelo garçom velho, gracioso e mal humorado.

- Ei? – ela perguntou ao garçom – Que canção é essa?
Ele a olhou surpreso e respondeu com uma pergunta – Qual?
- A que você cantou baixinho agora. Essa que você sussurrou. Que música é essa? – ela insistiu.
- Não sei não, viu. Não tenho a menor idéia – ele respondeu – É uma música gringa aí, que estava tocando no andar de cima. Ficou na cabeça, mas não sei o que é.
- Canta de novo – ela pediu – Por favor.
Ele sorriu, sem graça e cantarolou totalmente desafinado e sem jeito e constrangido, mas feliz porque, rapidamente, ela reconheceu a canção e continuou sozinha.

- Todos os dias são domingos – ela disse, com um sorriso.
- Reconheceu a música? – ele perguntou.
- Sim. E posso dizer que ele tem toda a razão, todos os dias são como domingos. Obrigado.
- Bem, de nada mocinha. De nada. Não entendi nada, mas deixa para lá. Os dias não deveriam ser como domingos. De forma nenhuma. Mas... como é Deus quem escolhe... até a próxima.
- Até a próxima. Até a próxima – ela respondeu, sorrindo aliviada, pois, no fundo, sabia que não haveria próxima vez.

Nunca mais.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
DETESTANDO SÁBADOS, DOMINGOS, SEGUNDAS, TERÇAS... POR FAVOR, USE OS HEADPHONES (TORI AMOS – I DON´T LIKE MONDAYS) Ele estava sem muito saco naquela noite de sábado, mas, ainda assim, graças à insistência deles, resolveu sair com os seus amigos para beber, dançar, conversar, fumar, enfim, viver uma típica noite de sábado como faz todo ser humano que está...vivo. E, ainda que não fosse esse exatamente o seu caso, lá foi ele, mais uma vez, ao Clube Varsóvia, para sentar e fumar um Marlboro atrás do outro, enquanto os seus amigos dançavam e se embriagavam. E enquanto a música preenchia o ambiente de modo devastador e o álcool começava a cumprir o seu papel de desinibidor supremo, ele fez exatamente como a sua mente solitária havia, cruel e repetidamente, planejado antes da chegada dos seus amigos. Ficou prostrado em uma cadeira nada confortável do Varsóvia, ouvindo o som e apenas olhando a diversão, como se ela não lhe fosse jamais permitida. Mas o acaso conspira. Entre

TO THE END

- O que vc quer de mim? – ela perguntou, aos gritos – Que porra você quer de mim?. Ele olhou para o chão, triste. Não queria responder, não sabia responder. Preferiu o silêncio. - Vai responder, seu filho da puta? Vai? – ela gritou, enquanto dava socos no peito dele. Socos não fortes, porém socos repletos de raiva, desespero e dor. Ele ficou em silêncio. Ficou em total e absoluto silêncio, sem ter nada a dizer. Ela ter visto aquele beijo já era o suficiente. - Seu idiota. Seu completo e estúpido idiota. Sai daqui. Agora! – ela gritou. E ele saiu do pequeno apartamento e foi embora, descendo as curtas escadas daquele prédio tão antigo. E enquanto descia, podia ouvir, com desespero, o choro e a dor daquela garota tão especial, outrora o grande amor da sua vida. E caiu em choro e lamento. Pobre diabo...