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ÁLBUNS DE FOTOGRAFIAS E RUAS ERRADAS

- Não acredito! - ele disse, verdadeiramente surpreso, meio alegre, meio constrangido.
Ela olhou-o como se mal pudesse acreditar que fosse ele. Viu primeiro um fantasma do passado, um espectro, assombração. Um sonho. Um pesadelo. Ela disfarçou e apenas sorriu.
- Estela? Estela? Ah, não creio. Quantos anos menina... - ele relembrou, aproximando-se para lhe dar um abraço carinhoso.
- Oi Edu. Muito tempo, né? - ela respondeu com a pergunta, permitindo o abraço e sentindo o calor daquele corpo tão estranho, tão conhecido.
Ele concordou com a cabeça - Mais tempo do que jamais pensamos que fosse nos separar. Muito mais tempo mesmo - ele afirmou, deixando a tristeza escapar, breve, por entre os dentes, por entre as vogais.
- Como você está? - ela perguntou, agora interessada, sincera.
Ele pensou antes de responder. Não muito, mas pensou sim - Bem. Estou bem - disse.
- Dá para ver - ela concordou - Não parece tão detonado - sorriu - Ainda é um belo homem - sorriu mais alto.
Ele ficou sem jeito e negou com a cabeça - De forma alguma minha querida. De forma alguma. Sou o Edu de sempre. O Edu.
Ela o encarou com seus olhos grandes e pretos. Lindos - O mesmo Edu de sempre? O MESMO? - frisou.
Ele desviou o olhar para a rua, para um ônibus qualquer que atravessava a avenida, rápido e ligeiro.
Ela continuou encarando-o, esperando uma resposta.
- Eu ainda estou naquele mural velho de cortiça que você tinha no seu quarto? - ele perguntou, ainda olhando para o ônibus que agora sumia no cenário.
Ela abriu a sua bolsa violeta e pegou um Marlboro mentolado, mesmo lembrando que ele odiava (e ainda devia odiar) aromas mentolados.
- Então? - ele insistiu.
Ela acendeu o Marlboro e respondeu, sem entusiasmo - Não tenho mais aquele mural.
Ele voltou a olhar dentro dos olhos negros e lindos de Estela e tentou dizer alguma coisa, qualquer coisa. Em vão.
- Foi bom te ver - mentiu - Bom, mas preciso ir. A gente se vê por aí - ela disse, enquanto despedia-se com um beijo e um abraço frio, entre dedos de cigarro e bolsas violeta.
Ele não disse nada, certo de que sua voz de lágrimas e embaraço iriam foder com tudo.
Ela virou e decidiu atravessar a rua. Sem olhar para trás. Para ele.
- Mas e se você ganhasse um outro mural? - ele gritou, imediatamente arrependendo-se da pergunta imbecil.
Ela virou e fez um gesto de impossibilidade com os seus braços magros e lindos e recheados de tatuagens coloridas e alegres. Respondeu com um sorriso de alívio por estar do outro lado da rua - Prefiro você onde está hoje, Edu. Em álbuns antigos e memórias bem guardadas. Lugares que posso controlar melhor do que a visão. Um beijo, querido. Um beijo - disse, enquanto assoprava beijos mímicos para ele.
Ele chorou. Nem tentou evitar.

E, no fim, quem disse que álbuns antigos são melhores do que fotos rasgadas, dilaceradas no auge da paixão? No auge da dor da paixão. No auge da dor...

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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,