Pular para o conteúdo principal

O DESENCONTRO


A coisa aconteceu mais ou menos assim. Tempos atrás...

- Então, eu estou indo para São Paulo. Você não quer me encontrar? – ela perguntou, naquele tom de voz tão sarcástico que ele adorava.
Ele pensou por uns instantes, com um sorriso nos lábios – Hmmmmm. Sim. Vai ser ótimo.
- Duvido que você ache mesmo ótimo – ela provocou – Você é tão zonzo, que dificilmente vai aparecer.
Ele riu do outro lado da linha e respondeu – Deixa comigo. Sou homem de palavra.
- Vamos ver, vamos ver – ela emendou – Putz, preciso desligar.
- Desliga, não – ele pediu.
- Preciso. A porra do meu chefe está me cobrando uma porra de um relatório. Preciso terminar.
- Ok – ele disse – Quando você vem mesmo? – perguntou.
- Sexta feira. Estarei lá por volta das sete e pouco da noite. Vou fazer o seguinte. Vou te esperar do lado de fora. Não mais que dez minutos. Não mais que dez minutos. E você não tem desculpa, porque trabalha a um quarteirão do local. Logo, se não aparecer, é porque não está a fim de encontrar a sua querida amiga.
- Vou aparecer, relaxa – ele prometeu e desligaram.

Na sexta feira em questão, ele não apareceu. Não apareceu. Claro que ela esperou mais do que os dez minutos e claro que ele tentou ir. Acontece que ele era (é) fraco. Acontece que ele sempre fode com tudo. Não se sabe mais a razão de ele não ter ido, aparecido ou ligado. O tempo passa e as memórias ficam confusas. Ficam muito confusas e nebulosas. Geralmente as pessoas tendem a acreditar no que lhes convém. Com o passar do tempo, a diferença entre a memória e a verdade fica turva demais. Ninguém está certo, ninguém está errado. O fato é que eles nunca mais se falaram desde então. Por todos estes meses ele tentou. Tentou muito. Tentou de toda a forma qualquer comunicação com ela. Emails, telefones, cartas registradas, sinais de fumaça, whatever. Nunca houve resposta. Nunca. Ele sabe, porra, que ela está certa. Ele sabe que a magoou, ele sabe de tudo isto. No entanto, ele ainda tem uma esperança. Uma esperança qualquer de, um dia, voltar a rir com ela das besteiras que somente dois amigos podem compartilhar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ODEIE-ME DOMINATRIX Alguém já viu olhos verdes tão gordos e lindos? Ela era fatal. Uma inebriante Femme Fatale como a canção de Lou Reed e seu underground de veludo. Absolutamente fatal. Fatal e forte e firme e segura e decidida e atrevida e ousada e centrada e todos os demais adjetivos utilizados sem vírgula entre eles. Adjetivos verdeiramente adjetivos. E exatos. Ela era fatal e simplesmente o ignorava. Culpa dele? Claro que sim. Idiota ao extremo, não percebeu que, na verdade, além dos saltos agulha e do corselet preto e do chicote prateado, havia uma garota de olhos gordos e verdes com medo. Insegura e menina demais. Insegura e menina demais para ser deixada de lado. Ele não percebeu. Só isso. Pobre idiota, covarde e medroso. Azar o dele. Agora é tarde para arrependimentos e desculpas. Agora é tarde demais. E nos guardanapos de papel escritos à mão por ele em madrugadas frias e úmidas e bêbadas, repousava a sua culpa e o seu desejo. Não me ignore. Odeie-me dominatrix. E apenas os t

VOYEUR DE TRENS TRISTES

Ela não tinha carro. Definitivamente não. Nada. Carro nenhum. Nada. Ela não tinha carro e dependia apenas das suas próprias pernas para andar. Apenas dela e das suas longas pernas. Só transporte público. E ruim. Péssimo transporte público. Ela dependia dele e andava em trem, ônibus, táxi, bicicleta, a pé, de um lado para outro por toda a cidade. De um lado para outro. Por toda a cidade. E nas suas viagens loucas , longas e insuportáveis, ao invés de ficar como uma idiota no fone de ouvido e num celular vagabundo ela apenas observava. A tudo e a todas as situações. Observava a tudo e a todos com a maior esperteza, com a maior atenção. Esperta. Nada de malditos fones de ouvidos brancos e joguinhos sem graça. Nada de música ruim nos headphones. Nada de música ruim. Nunca. Nem jogos idiotas. Ela gostava de observar. E era boa nisso. Muito. Ela parecia boba. Mas não era. Longe disso. Muito longe disso. Boba nunca. Nunca. Ela era muito, muito,
COMO UMA CANÇÃO DE LAURYN HILL Então, ela se pergunta, o que aconteceu com todos aqueles momentos? Alguém pode explicar? Alguém pode explicar para essa menina doce, gentil e bem humorada, de que serviu todo aquele amor, aquele desespero, aquela vontade insana e adolescente de querer ficar junto, de querer estar junto, de querer comer junto, viver junto, enfim, morrer junto? Aquele desejo doentio e saudável de viver duas únicas vidas em uma só? Alguém pode explicar essa porra? Porquê, até onde eu sei, não existe um manual de instruções de como proceder em caso de falência múltipla de sentimentos. Não, meu caros amigos, definitivamente não há um manual de instruções que possa ajudar-nos a entender todas as razões sem razão, todos os desejos sem recíproca, todas as cores do universo. Não, mas nem fodendo. As brigas, os momentos de raiva, o medo, desespero, a vontade de fugir, enfim, todos os desequilíbrios da mente não vem com um pequenino, um simples, um maldito manual de instruções. E e

SONHOS DE UMA MADRUGADA MOLHADA DE VERÃO

- Sonha comigo? – ele pediu quase tolo, quase infantil. - O quê? – ela respondeu – Pirou? O calor derreteu o pouco que resta do seu cérebro pequeno? – disse irônica. - Sonha comigo? Sonha? – ele pediu. - Como assim “sonha comigo”? Você acha que eu escolho os devaneios que tenho durante a madrugada? Acha que consigo selecionar com o que vou sonhar? – ironizou. - Talvez. Se você quiser muito, pode até conseguir. Quem sabe? Ela sorriu e fez um carinho fofo em seus cabelos curtos. Admirou seus olhos verdes e apenas sorriu. - Por favor? – ele insistiu – Você me disse que sonhou comigo outra noite. Porra, quem sabe consegue repetir a façanha. Vou ficar muito feliz. Muito mesmo. - Você é um idiota de verdade – ela disse com carinho. - Mas não basta sonhar. Tem que me contar os detalhes depois – ele afirmou como um babaca apaixonado. - Vou tentar. Prometo que vou tentar. Antes de tomar o meu Lexotan e dormir como um anjo, vou mentalizar muito para ter um sonho cont