QUANDO
O REFLEXO NA JANELA DE UM ÔNIBUS VELHO E SUJO REVELA A SUA VIDA SEM VOCÊ
DESEJAR. SEM VOCÊ DESEJAR...
Manhã de segunda feira de julho em São Paulo.
Maldita manhã de segunda feira em São Paulo. Em qualquer lugar
do mundo.
Maldita manhã de segunda feira em qualquer grande cidade de
qualquer lugar do mundo.
Manhã de segunda feira cinza, chuvosa e fria. Muito fria. Fria
demais.
Ninguém, mas ninguém no mundo merece uma segunda feira de manhã
cinza, fria e chuvosa demais. De verdade. Do fundo do meu coração não desejo
isso a ninguém.
E, de bobeira, em um ato de verdadeira idiotice, percebi o
reflexo do meu próprio rosto na janela do ônibus em que eu estava e que rasgava
insano, em alta velocidade, aos trancos e barrancos e sem medo, a Avenida
Francisco Matarazzo, zona oeste de São Paulo.
E fiquei perplexo com a pequenez do que vi. Perplexo. Perplexo
demais com tamanha pequenez.
O que vi não ajudou em nada a minha vida, a minha esperança, a
minha perspectiva de um futuro melhor. Ah, futuro melhor... Só rindo mesmo.
Vi e percebi apenas um velho homem gordo com uma barba ridícula,
com muito poucos trocados no bolso e muita decepção no coração.
Muita decepção.
Muita.
Mesmo.
Quando eu tinha vários cartões de crédito eu era notado por
todos. Por todos. Sem exceção. Quando eu tinha um computador, meu Facebook era
lotado. Cheio de inúteis que sequer sabem o número do meu telefone para me dar
os parabéns no dia do meu aniversário. Sequer sabem que telefone é para FALAR
com alguém e não ficar apenas em aplicativos imbecis e sem graça que levam o “nada”
a “lugar nenhum”. Quando eu tinha um carro, ele ia e vinha por todos os cantos
da cidade, sempre cheio de gente. Sempre cheio de gente. Sempre. Gente de todos
os tipos, de todas as cores, com todas as flores. Sempre cheio. Até de
desconhecidos. Mas isto quando havia um carro, vários cartões de crédito e um notebook. Hoje? Não. Hoje não há mais nada
disso e quase nuinguém. Há apenas um reflexo na janela de um ônibus sujo e bem
vazio que te leva para casa numa manhã de segunda feira fria, chuvosa e cinza. Mas
casa? Casa? Porra, casa também não há mais. Claro que não. Há um lugar, ainda bem,
aonde consigo me abrigar da chuva, do sol, da noite, do frio, enfim, um lugar
qualquer. Mas não é o meu lar. Definitivamente não é o meu lar. Aliás, hoje em
dia, lugar nenhum é o meu lar, mas Deus (se é que isto existe) ajudou-me e
consigo ao menos abrigar-me da chuva, do sol da noite, do frio, enfim, de
muitas coisas, inclusive da falta de perspectiva (só não da minha imbecilidade).
Quando eu era alguém, há muito tempo atrás, quando eu não era
mentiroso e canalha, quando tinha um carro, cartões de crédito, uma porra de um
notebook e podia decidir alguma coisa, sempre havia alguém me bajulando. Sempre.
Claro que sim. Para o bem ou para o mal. Hoje? Nada disso. Restou apenas uma
porra de um reflexo embaçado em um ônibus velho e sujo. Apenas isso.
O reflexo de um mentiroso e de um homem velho que errou muito. Errou
mais dos que devia. Muito mais do que devia e podia.
E não fosse uma pequena pessoa que ainda acredita em mim (ingênuo
ainda, claro, pois logo vai adquirir discernimento e perceber a verdade e
entender o que todos entendem sobe a minha pessoa e, óbvio, me deixar de lado),
talvez este texto estivesse onde merecia estar: no limbo, sem ter sequer sido
escrito...
Manhã de segunda feira.
Manhã de segunda feira cinza, chuvosa e fria. Muito fria. Fria
demais.
Ninguém, mas ninguém no mundo merece uma segunda feira de manhã
cinza, fria e chuvosa demais. De verdade. Do fundo do meu coração.
E, de bobeira, em um ato de verdadeira idiotice, percebi o
reflexo do meu próprio rosto na janela do ônibus em que eu estava e que rasgava
insano, em alta velocidade, aos trancos e barrancos e sem medo, a Avenida
Francisco Matarazzo, zona oeste de São Paulo.
O que vi?
A mim mesmo... Talvez o maior erro da minha vida, pois odiei o
que vi e amei o que lembrei, porém, detestei o que pressenti que há por vir.
Simplesmente detestei o que há por vir...
Do fundo do meu coração eu simplesmente detestei o que vi, pois
não há felicidade quando o reflexo na janela de um ônibus velho e sujo revela a
sua vida. O inteiro desperdício da sua vida. O inteiro desperdício da sua própria
vida, a não ser por um pequeno ser que ainda acredita ser possível ser feliz ao
meu lado... Pobre tolo.
Manhã de segunda feira...
Insuportável presságio de um dia ruim...
E no meio do desabafo, lembrei de uma velha canção do Paulo
Ricardo. Quem???? Que dizia de forma megalômana e apaixonada que “Eu andei / por onde o amor me levou / eu
voltei / por onde o amor me chamou / eu amei / como homem nenhum nunca amou / o
amor me escolheu / logo eu / que de amor nada sei...”.
Não mesmo. Nada sei sobre amor e sequer sobre amor próprio. Muito
menos sobre amor próprio. Definitivamente.
Mas, o que eu quero? O que eu quero?
Um copo de vodka? Não, claro que não, pois esta escolha já me
tomou muita coisa. Muita coisa mesmo. A minha própria vida.
Quero apenas um copo de água e um dia de sol e que aquela
pequena pessoa que mencionei acima jamais perceba, tenha discernimento ou tenha
consciência de quem eu realmente sou, fui ou sempre serei.
É pedir demais, eu sei... É pedir demais aos quarenta e cinco do
segundo tempo quando a goleada contra já está formada... Pedir demais...
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