Pular para o conteúdo principal


SENDO ALVO E GOSTANDO DISSO...MESMO SEM SABER A RAZÃO

Ele estava sentado em um balcão de uma padaria no centro da cidade, perto do seu trabalho. Havia saído tarde aquela noite. Já passava das três horas da manhã. E como era sexta feira e a semana tinha sido “metal pesado” e ele já estava cansado disso, após anos e anos de trabalho, decidiu que Deus lhe autorizara a tomar algo bastante alcoólico naquela noite. Apenas para sorrir um pouco - justificou.

- Você tem isqueiro? – ela perguntou
- Não. Não fumo – ele respondeu para a garota que lhe havia feito tal pergunta.
- Nem eu, por isso não tenho isqueiro – ela retrucou

Diante de tal comentário ele afastou os seus óculos e virou lentamente os seus olhos para a direita, de forma a observar melhor a moça que havia lhe pedido o tal isqueiro. Devia ter um pouco mais da metade da sua própria idade.

- Não fuma? Então porque diabos me pediu um isqueiro? – ele disse
- Porque eu estou precisando fumar a porra de um cigarro – respondeu, balançando um Marlboro bastante amassado, por entre os seus dedos.
- Tá. Tudo bem, mas se você não fuma, não vejo razão para começar agora.
- Querido, você não é a minha mãe, o meu pai e nem tampouco a minha vó. Então, caso você tenha possibilidades de fazer essa porra acender, ótimo. Do contrário, não precisa ficar aí, fazendo qualquer espécie de sermão. Não tô com saco. Aliás, o menor saco.

Ele observou melhor aquela garota. Ela devia ter uns vinte e um, vinte e dois anos de idade. Era bonita, mas estava verdadeiramente destroçada. Devia ter saído de casa com bastante maquiagem, mas a mesma era só pó aquela altura da noite. Dava para perceber as manchas causadas pelas lágrimas. Sim, definitivamente, ela chorou bastante aquela noite. Havia uma tristeza inconfundível em seus olhos negros e profundos. E isso ele percebia bem. Sabia como eram as marcas de lágrimas.

- Não tenho isqueiro, mas tenho conhaque, quer? – ofereceu uma dose.
- Obrigado – ela disse – Ao menos você me ajuda de alguma forma.
- De nada. Sempre é bom uma companhia, não é mesmo?
- Sem dúvida – ela disse, distante
- E então, posso saber a razão do início do seu vício? – ele perguntou, com um sorriso.
Ela o fitou fixamente nos olhos e respondeu, seca – Você pode me dizer por que sempre temos que nos machucar e quebrar a cara nessa droga de vida? Por que sempre temos de afastar as pessoas que amamos, por que sempre temos de engolir sapos, tubarões, leões ou seja lá o que for? Me irrita isso, sabe. É difícil, às vezes.
- Também não é assim. Concordo com você, mas as coisas não são sempre tão ruins, não é mesmo? Há coisas boas – ele completou, tomando mais um gole de seu conhaque.
- É? – ela questionou, irritada – Então você pode me dizer o que há de bom na sua vida, por exemplo. O que há de bom em ser gordo, velho, estar perdendo os cabelos, e estar sentado, em plena madrugada de sexta para sábado, em uma padaria velha do centro da cidade, tomando uma porra de um conhaque de última categoria, e ainda por cima sozinho, já que se não fosse a idiota aqui, o senhor provavelmente estaria trepando com alguma puta decadente que cobra miséria aqui nesse centro sujo.

Ele a olhou sério, surpreso com aquela agressividade abrupta, que o atingiu como um soco na cara e tomou outro gole do conhaque.

- Desculpa – ela disse, quase chorando – Desculpa, desculpa, desculpa...você foi super gentil comigo e aqui estou eu, a imbecil, quebrando de novo aqueles que me estendem a mão. Me desculpa – e começou a chorar.
- Relaxa garota. Relaxa. Você tem razão. Às vezes precisamos escutar coisas que nos façam acordar.
- Me desculpa, me desculpa – ela repetia baixinho e sem parar, agarrando o seu braço.
- Jorge – ele gritou – Jorge, me arruma um maço de cigarros e mais dois conhaques – ele gritou para o moço que estava atendendo os poucos clientes da padaria.
- Hey – ela interrompeu – Você não fuma!
- Nunca é tarde para começar não é mesmo? – disse com um olhar carinhoso, sorrindo seu mais belo sorriso e abraçando-a gentilmente para enfrentarem aquela noite de conhaques, cigarros e verdades, que somente os estranhos podem dizer...somente eles...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd

VOYEUR DE TRENS TRISTES

Ela não tinha carro. Definitivamente não. Nada. Carro nenhum. Nada. Ela não tinha carro e dependia apenas das suas próprias pernas para andar. Apenas dela e das suas longas pernas. Só transporte público. E ruim. Péssimo transporte público. Ela dependia dele e andava em trem, ônibus, táxi, bicicleta, a pé, de um lado para outro por toda a cidade. De um lado para outro. Por toda a cidade. E nas suas viagens loucas , longas e insuportáveis, ao invés de ficar como uma idiota no fone de ouvido e num celular vagabundo ela apenas observava. A tudo e a todas as situações. Observava a tudo e a todos com a maior esperteza, com a maior atenção. Esperta. Nada de malditos fones de ouvidos brancos e joguinhos sem graça. Nada de música ruim nos headphones. Nada de música ruim. Nunca. Nem jogos idiotas. Ela gostava de observar. E era boa nisso. Muito. Ela parecia boba. Mas não era. Longe disso. Muito longe disso. Boba nunca. Nunca. Ela era muito, muito,
MILAGRES E NOITES DE VERÃO boomp3.com - Lá vai – ela gritou enquanto arremessava a garrafa na parede, meio “bebinha”, meio “zonza”, toda alegre. Higher than the Sun. Breakfast Club. Ele apenas sorriu. - Mais uma, yeaaaahhh – ela gritou de novo, antes de arremessar a segunda garrafa long neck de cerveja na mesma parede. - Deste jeito os vizinhos vão reclamar, chamar a polícia, nos bater, sei lá – ele disse. Disse só para registrar, pois, na verdade, ele pouco se importava com as conseqüências daquilo tudo. Ela olhou para ele de uma forma divertida e adoravelmente negligente. A mesma forma divertida e negligente que ele estava tão acostumado a curtir ao longo daqueles mais de cinco anos de amizade e delírio. – Quer saber? Quero que os vizinhos se fodam – gritou e caiu na gargalhada – Olhe para nós. Olhe. Bêbados como qualquer coisa, hein? Bêbados e sentados numa quebradinha de uma vila escura, enquanto todos estão lá dentro bebendo, dançando, fumando, amando. Enquanto a festa come solta

EM DOR FINA

- O que mais você quer de mim?   - ela perguntou, aflita, desesperada, irritada, inquieta. - Nada – ele respondeu de forma seca, estéril, fria – Não quero nada de você. Não quero mais porra nenhuma de você. O que eu quis você não me deu. Há tempos. - Então porque você, seu filho da puta, não me deixa em paz, agora? – ela perguntou, aos gritos - Some da minha vida seu imbecil – ela pediu, implorou, aos gritos – Some. Some daqui! – completou – Não quero mais você. Ele apenas abaixou a cabeça e começou a chorar. Muito. Muitas lágrimas. Muito triste. Ela também. Muitas lágrimas. Muita tristeza. Estava relaxada ao desabafar, porém triste. Muito triste. Como se o seu coração estivesse na ponta de uma faca. Bastante afiada, aliás... Em dor fina. Como se não houvesse amanhã. Dor muito fina e muito gritante.   INTERNET “A endorfina é neurotransmissor , assim como a noradrenalina , a acetilcolina e a dopamina , e é uma substância química utilizada pelos neurônios na c
APAGUE A LUZ, POR FAVOR? boomp3.com Então é assim que termina? – ele pensou, enquanto a chuva desabava sobre o seu corpo inerte. Ele estava só, parado em frente ao velho apartamento deles, no Centro Velho, apenas olhando o passado. Acaba assim? Desta forma idiota? Eu aqui, parado como um imbecil na frente da minha ex-casa, debaixo de chuva torrencial e com uma mochila cheia de livros e fotos rasgadas? - Quer ajuda, doutor? – perguntou o porteiro, sempre gentil - Está chovendo demais e o Senhor aí, parado na “trovoada”. - Não, obrigado Carlos. Já estou indo – ele respondeu, seco – Já estou indo. Ficou em silêncio por alguns instantes, apenas sentindo o sabor das lágrimas e da chuva. Após tentar acender um cigarro molhado, virou e foi embora de vez daquele lugar. E foi embora para sempre do único lugar em que ele foi, por algum tempo, verdadeiramente feliz. O único lugar em que ele foi, por algum tempo, verdadeiramente apaixonado. ... Mas, e como começa? Começa com um toque, com um gesto