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MELODIAS SURPREENDENTES

- Que barulho lindo é esse, mãe? – perguntou Lia, atenta a uma suave melodia que ecoava para dentro daquele idiota quarto de hospital.
- Deixe-me ver – disse a sua mãe, aproximando-se da janela – Olha só que maravilha. É um garoto tocando piano em um dos apartamentos residenciais aí da frente. Bem, com esse sossego que é essa rua, nem parece rua de hospital, só assim para ouvir essa belezinha. Você teve sorte.
- Sorte? É, tive muita sorte mesmo. Uma cirurgia de emergência, um corte gigantesco no corpo, uma recuperação horrível, uma beleza mesmo. Como sou sortuda.
- Bem, ao menos você está num hospital que tem trilha sonora. Uma agradável trilha sonora. Um garoto, que toca muito bem por sinal, ensaiando na janela em frente ao seu quarto. Eu acho melhor do que outras opções possíveis. Bem querida, eu já vou indo, você fica um pouco sozinha que eu já volto. Só vou pegar umas coisinhas em casa e já, já, estou de volta. Fique bem.
- Obrigado mãe. Até mais.

Assim que a porta se fechou, Lia pôs-se a escutar mais detidamente a doce melodia que maravilhosamente explodia em seus ouvidos, naquela altura, já bem cansados de todos aqueles barulhos metálicos e frios, típicos de um hospital. É, realmente ele toca muito bem – pensou, enquanto se ajeitava para dormir.

E após aquele dia, Lia adorava ficar sozinha no seu quarto, apenas para ouvir, em silêncio, o garoto tocar. Ela adorava aquele fio de música. Adorava e ficava sempre ansiosa, à espera da próxima canção. Ela tinha muita curiosidade em vê-lo, porém em todos os momentos que teve alguma oportunidade, ou ele não estava tocando ou não estava ao alcance dos seus olhos. De qualquer forma, seu passatempo predileto naquele quarto de hospital era imaginar como era o seu rosto, o seu corpo e as suas mãos suaves, dedilhando tecla a tecla aquele piano.

Depois de duas semanas, ela finalmente teve alta. Antes de ir embora, tentou uma última vez visualizar o seu desconhecido amigo. Não conseguiu, mas não ficou triste. Deixou ao acaso os desencontros.

Antes de deixar o hospital, ela pediu a sua mãe para comprar uma rosa e um pequeno cartão. Sem entender nada, a mãe fez a sua vontade. Ela escreveu um pequeno bilhete e pediu a mãe para deixar na portaria do prédio em frente. A mãe sorriu, já entendendo tudo. Porém, nada falou e fez o pedido.

- Vamos, Lia? – perguntou a mãe.
- Claro. Obrigado – disse a garota, não sem antes dar uma última olhada para trás para ver aquele pequeno prédio verde do menino pianista.

O bilhete? Era apenas um agradecimento pela força e poesia que um desconhecido deu, sem saber, para outro desconhecido. Coisa rara hoje em dia. Coisa rara de se ver. Coisas da vida.

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NUCA

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