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REGANDO GIRASSÓIS COM AMOR E SAUDADES

- Então é isso? – ela perguntou, quase aflita, com a voz distante.
- Creio que sim – ele respondeu, disfarçando a tristeza – Fique tranqüila, a viagem vai ser do caralho. Você vai amar. Você vai, estuda e, logo, logo, vai estar de volta e nós continuaremos juntos. Sempre juntos. E, afinal, nem é tanto tempo assim.
- Pô, seis meses é quase uma vida – ela disse.
- Não, relaxa, vai passar voando. E você tem razão, vai ser uma vida. A sua vida. A nossa vida.
Ela permaneceu em silêncio e ele emendou – Vá tranqüila querida, por favor. Você sabe que eu te amo e tudo o mais e pode apostar que quando você voltar eu vou estar te esperando. Pode estar certa.
- Você tem certeza que não quer ir ao aeroporto? – ela perguntou – Já estou quase saindo.
- Nós já conversamos sobre isso, não? – ele retrucou, firme.
- Tá bem, tá bem, não vou mais discutir isso. Bom, preciso ir. Nossas despedidas já fizemos. O resto vem depois – ela disse, já chorando.
- Fique bem querida. Você sabe que eu te amo e que vai dar tudo certo – Cuide-se e até a volta. E vai ser logo.
- Tchau. Te amo. Vou te ligar muito.
- Também. Te amo. Boa viagem.

E desligaram o telefone e caíram nas lágrimas. Os dois. Cada um no seu canto. Cada um no seu momento de vida. Simultâneos.

No dia seguinte, ele já estava de pé bem cedo. Resolveu dar uma volta pela rua antes de ir para o trabalho. Dar uma caminhada, um cigarro, um café na esquina. Assim que passou pela portaria do prédio foi abordado pelo porteiro, que segurava um dos mais lindos buquês de flores que ele já havia visto. Girassóis gigantes e lindos. Amarelos como a cor do seu cabelo. Amarelos como a cor do casaco cashmere preferido dela. Amarelo como o sol.

- Deixaram para você hoje bem cedinho. Tem um cartão aí – o porteiro disse, com um sorriso discreto nos lábios.
Ele segurou o buquê e respirou aliviado, esquecendo a vodka e a ressaca e a péssima noite que teve. O cartão dizia simplesmente “O vendedor me disse que esse buquê, se bem cuidado, dura uns seis ou sete meses. Simbólico, né? Cuide bem dele. Por favor. Eu estou levando um para cuidar também. Basta regar com saudade e não com lágrimas. Até a volta. E eu vou voltar. Com muito amor. Por toda a vida. Te amo... muito. Muito mesmo”.
Ele foi interrompido do seu gozo pelo porteiro - Nunca vi um troço desses. Mulher dando flores para homem. Esse mundo está perdido mesmo. Onde vai parar essa bagunça?
Ele olhou para o porteiro, feliz como nunca e disse, bem humorado – Ainda bem que o mundo mudou Seu João. Ainda bem. E o senhor não sabe o que está perdendo...


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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,