Pular para o conteúdo principal
MILAGRES E NOITES DE VERÃO

boomp3.com


- Lá vai – ela gritou enquanto arremessava a garrafa na parede, meio “bebinha”, meio “zonza”, toda alegre. Higher than the Sun. Breakfast Club.
Ele apenas sorriu.
- Mais uma, yeaaaahhh – ela gritou de novo, antes de arremessar a segunda garrafa long neck de cerveja na mesma parede.
- Deste jeito os vizinhos vão reclamar, chamar a polícia, nos bater, sei lá – ele disse. Disse só para registrar, pois, na verdade, ele pouco se importava com as conseqüências daquilo tudo.
Ela olhou para ele de uma forma divertida e adoravelmente negligente. A mesma forma divertida e negligente que ele estava tão acostumado a curtir ao longo daqueles mais de cinco anos de amizade e delírio.
– Quer saber? Quero que os vizinhos se fodam – gritou e caiu na gargalhada – Olhe para nós. Olhe. Bêbados como qualquer coisa, hein? Bêbados e sentados numa quebradinha de uma vila escura, enquanto todos estão lá dentro bebendo, dançando, fumando, amando. Enquanto a festa come solta na casinha de número sete.
- Seis – ele corrigiu – A casa do Cadu é a número seis.
Ela gargalhou e disse, rápida – Melhor parar de jogar garrafas na parede. Os cacos podem nos machucar ou foder alguém.
Ele concordou com a cabeça, certo de que podia dar confusão todas aquelas long necks despedaçadas.
- A noite está tão bonita hoje – ela disse, sentando mais perto dele.
- Tem razão.
- Podia ser sempre assim.
- Como é possível ter tantas estrelas acima de nós, mesmo numa cidade tão desesperadamente poluída como esta?
Ela suspirou e emendou devagar, quase em sussurro, quase em oração – Milagres de uma noite de verão. Apenas isso. Milagres de uma noite de verão.
Ele aproveitou e ajeitou o seu ombro junto aos cabelos longos e lindos dela. Sentiu, feliz, o perfume deles invadir o seu nariz.
Ficaram em silêncio por alguns instantes. O tempo suficiente para sentir o céu se mover. Liquid Sky ou Rumble Fish? Como escolher? Ficaram em silêncio, tendo por testemunha apenas a viela escura da vila e os cacos de garrafas. Ao fundo, a soundtrack da festa do Cadu.
De repente, ele quebrou o silêncio, de forma doce e suave - Você acredita mesmo em milagres de noites de verão?
Ela demorou para responder, como se não quisesse sair de uma espécie de transe.
- Acredita? – ele insistiu?
- Talvez. Talvez sim, talvez não. Depende.
- Do quê? – ele perguntou, curioso.
Ela levantou a cabeça e olhou para ele fixamente, sem nada dizer.
Ele tentou desviar o olhar, à sua maneira, porém não conseguiu. Ele nunca conseguia quando se tratava dela.
- O que foi? – ele perguntou, aflito com a forma do olhar dela.
- Milagres de noites de verão – ela disse, aproximando seus lábios doces dos dele, para um beijo de cinema, um beijo de desejo, um beijo há tanto contido. Um beijo simplesmente maravilhoso.
O mundo parou naquele instante.
Ao deitar, já alta madrugada, ele apenas fez uma prece silenciosa – Deus, faça com que nada mude – suspirou e desabou.

...

DEZESSEIS anos passados.

...

Na fila do caixa do Café da Esquina, ele sentiu uma mão pequena tocar o seu ombro. Um toque respeitoso, um toque suave, um toque breve.
Ao virar, mal acreditou.
Ela.
- Bete? Não creio – ele disse. Surpreso e tocado.
Ela sorriu e respondeu – Olá, querido. Que coisa boa te ver – disse, abraçando-o de um jeito incrivelmente adolescente, incrivelmente familiar. Mais do mesmo de sempre.
- Como você está? – ele perguntou.
- Bem. Estou bem. Você também, não? Bonitão - as usual - mesmo ainda fumando os seus Marlboros de menta – sorriu.
Ele deu risada antes de responder – Velhos hábitos. Velhos hábitos.
- Que ótimo te ver.
- Eu também acho.
- Tanta coisa não, depois daquela noite na casa do Cadu, e tantas outras coisas? – ele disse - Tem um tempinho?
Ela olhou ao relógio – Sim. Cinco minutos, na verdade. Tenho uma reunião daqui a pouco e você sabe como o trânsito desta cidade é caótico, não?
Ele concordou com a cabeça, oferecendo uma cadeira para ela, ao lado da janela. Pediu dois capuccinos e começaram a falar e falar e falar.

O que aconteceu depois?

Conversaram por mais que cinco minutos. Óbvio.
Ela atrasou para a reunião.
Ele atrasou para a volta ao trabalho.
Ela morava em Berlim.
Ele morava em São Paulo.
Ela, divorciada.
Ele, casado.
Ela, sem filhos.
Ele, também.
Ela, feliz.
Ele, talvez.
Ela, com sonhos e delírios e vontades.
Ele, também.
Ela, adorável.
Ele, mal humorado.
Ela, mudada.
Ele, também.
Trocaram e-mails.
Trocaram celulares.
E foram embora,, cada um cada um...

Se encontrarão novamente?

Muito provavelmente não.

Entretanto, quem sabe quando acontecem os milagres em noites de verão?

Quem?

Comentários

ah_sei_lah disse…
Muito bom quando vc escreve!
Teria este texto um quê de autobiogáfico?
Bjs
as pessoas são as mesmas do conto do dia 20 de outubro de 2003... percebe
PERDÃO... NOVE de outubro de 2003
Frexxxx disse…
estou voltando.
bjos
Anônimo disse…
Guziej, qtos anos...
Eu não passo aqui a muito tempo...
e vc continua espetacular...
que texto ótimo...

voltei para o blog, agora em endereço novo e postando minhas canções..

passa lá qdo puder.

abraço
Shauan Bencks

Postagens mais visitadas deste blog

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

Você

leia e ouça: U2 | bad Você. Você é intensa demais, e eu a amo. Muito. Você. Sim, você mesmo, você sabe a quem me refiro: VOCÊ! Você tem os cabelos mais desgrenhados, bagunçados e divertidos do mundo. E eu amo. Você. Cada detalhe, cada aroma, cada toque, cada TUDO. Nós. Tem os olhos mais verdes do mundo, e eu a amo. Amo. Amo você. Minha esmeralda. Minha pequena. Minha mãozinha guia. Você. Você. Apenas você! A mulher que mais merece ser cafuneada no universo, na galáxia, em tudo. Toda hora, todo dia, todo tempo. Você. Eu a amo. Você. Você mesmo. Tem força, tem garra, tem voz, tem presença, tem vida, tem alegria, tem coerência, tem sorriso, tem empatia, simpatia, tem tudo. Pequena, mas gigante. Você. Eu sou muito honrado de receber e dar seus super likes . Te laqueio todo dia, toda hora. Você é simplesmente essencial, especial, única. Você… simplesmente e unicamente VOCÊ existe para mim. Nada mais. Mais ninguém, E por mais burrices que eu faça, que eu repita, que eu erre, imbecil que so...

Quando Você Ama…

  leia e ouça: surf curse || freaks “...Don't kill me just help me run away From everyone I need a place to stay Where I can cover up my face Don't cry, I am just a freak I am just a freak I am just a freak I am just a freak…” (Surf Curse || Freaks) Quando você vive, você erra. Todos nós. Todos. Todos nós erramos, de um jeito ou de outro. Faz parte. Quem nunca errou? Quem nunca? Só quem não viveu. Quando você vive, você se expõe e acaba errando, cedo ou tarde. Mente quem diz que nunca errou, uma vez que certamente também errou em algum momento da vida e tenta negar isso. Eu? Se eu errei, omiti e menti? Sim. Certamente. Muito. Mais do que seria razoável, muito mais do que seria razoável. E só os Deuses sabem como foi difícil e errado e como me arrependo. Arrependimento? Muito. Arrependimento real e verdadeiro. Mas, a verdade é o mais importante. Sempre. E demorei a entender isso. Demorei MUITO. Muita porrada para entender isso. Muita porrada para entender isso. A transparência. ...

COMO A PÁGINA VIRADA E QUASE ESQUECIDA DE UM LIVRO BOM

- Você acha mesmo? – ela perguntou, com uma expressão de puro espanto. Ele desviou o olhar. Olhou para o teto, tentou disfarçar as lágrimas. Sem sucesso. Depois de um minuto de silêncio sepulcral ela insistiu - Então, eu te perguntei. Por favor, me responda porra. Você acha mesmo? Acredita mesmo no que acabou de me dizer? Acha que vou acreditar que você não estava transando com a maldita nos últimos tempos? Que não se envolveu com aquela vagabunda e me passou para trás. Acha que vou acreditar que você ainda me quer? Ele, finalmente, abaixou a cabeça e a encarou bem nos olhos. Olhos frios e de um verde simplesmente lindo. - Vai, fala! – ela insistiu um tanto impaciente, muito irritada. - Sim. Acho. Não só acho como tenho absoluta certeza – ele, finalmente, respondeu, sentindo na garganta a dor e o peso de estar mentindo verdadeiramente. Ela levou as mãos à cabeça em absoluto transtorno. Não conseguia imaginar a razão de estar vivendo aquela cena – Você é um tre...

O VESTIDO LILÁS

Eles moravam em lugares distantes um do outro. Muito. Muito distantes. Cidades diversas e longínquas. Dois Estados. Conheceram-se graças ao destino. A melhor forma de se conhecer, afinal. No entanto, a distância não era um problema para os dois. Definitivamente não era um problema algum. Eles se gostavam como raros meninos e meninas se gostam. Coisa pouco usual de se ver. Coisa pouco usual de se vivenciar de sentir. Certo dia, ele recebeu uma foto dela pelo correio. Ficou surpreso com a beleza do que viu. Ele já a tinha visto, claro, mas ela estava linda, linda demais, casual e vestida com um vestido de verão lilás com pequenos detalhes em verde. Um vestido para provocar. Um vestido de verão para colos lindos como o dela. Para poucos decotes privilegiados e poucos seios deliciosos. Como os seios dela. Vestido lindo. Lindo vestido lilás. E ele enlouqueceu. Não acreditou na perfeição da foto e nos detalhes incertos do que ele NÃO via além do vestido. O desenho que alguém fez dela. Como...