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RISCANDO CALENDÁRIOS VELHOS, GRUDADOS COM DUREX EM PAREDES ENGORDURADAS DE COZINHAS SUJAS

Ele estava furioso. Furioso como ninguém nunca o viu antes. Furioso como nem ele próprio acreditava que pudesse ficar. Furioso com todas as merdas que havia feito. Furioso com a falta de cigarros em casa. Furioso com a falta de dinheiro no bolso. Furioso com a tequila barata que restava no fundo da garrafa. Furioso com o maldito cheiro do incenso que invadia as suas narinas, vindo do pardieiro em que sua vizinha morava. Furioso com a falta de perspectivas. Furioso com a falta de emprego. Furioso com o tédio. Furioso com sua idade avançada. Furioso com todos os seus fracassos. Furioso com a ausência dela. Furioso com ele.

E, assim, de repente, ele deixou de lado toda aquela “fúria”, apenas para sentar no chão sujo da sua casa e sussurrar baixinho uma canção de amor. Love Kills. Canção de bêbados e de vagabundos e de notívagos sorrateiros, que amam mais do que podem suportar.

Sussurrar a canção imbecil e rasgar algumas fotos foi o bastante para ele dormir um pouco, ainda que completamente bêbado e jogado no chão.

Quando o sol da manhã arrombou a janela e rasgou os seus olhos sujos, acordando-o sem o menor arrependimento, ele pôde, inerte, perceber o maldito calendário velho, por ele todo riscado, grudado com durex na parede engordurada da sua cozinha suja.

Foi o bastante para ele perceber que a fúria, a famosa “fúria”, de nada adiantou. A sua vida era a mesma porra de vida da noite anterior.

Depois da segunda, sempre vem a terça, a quarta, a quinta... e nada muda... nada... simplesmente nada


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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,