Pular para o conteúdo principal
BANG! YOU ARE NOT DEAD, HONEY.



- Quem disse? - ela perguntou a ele, com a voz seca e áspera ao telefone - Você pensa que me conhece, seu pretensioso do inferno? Pensa? - gritou, desesperada.

Ele nada respondeu.
E a linha ficou muda por breves e eternos instantes. Em total silêncio, mas não por ausência de sinal. A linha simplesmente ficou muda por ausência de verbos e palavras. Ausência de argumentos. Ausência de
malícia. Ausência de vontade.
Excesso?
Apenas de medo e de cansaço.

- Quem disse, porra? - ela insistiu - Quem disse? Da onde você tirou esta porra?
- Vá e viva e ame! - ele respondeu antes de desligar, em um tom baixo, quase inaudível, quase infantil, porém doce e generoso.
- Filho da puta - ela berrou, jogando o telefone na cama - Filho da puta. Babaca.

E, aflita, começou a andar de um lado para o outro do quarto, como se quisesse correr. Como se pudesse fugir.
Veloz e trôpega, porém descoordenada, sem saber o que fazer.
Sem saber para onde ir.
E suas mãos trêmulas acenderam mais um Marlboro.
E ela começou a chorar.
Again.

- Idiota. Não pode adivinhar quem eu sou. Não, não pode - ela pensou sem coerência, sem habilidade, ignorando há quanto tempo se conheciam. Há quanto tempo eram irmãos. Amigos.

Ela voltou à realidade com o telefone, que tocou novamente.
Histérico.
Ela decidiu não atender.
Um arrepio de desespero subiu pelo seu corpo, tão logo reconheceu a voz dele, linda e rouca, na secretária.

- Oi. Desculpa. Não queria ter dito aquelas coisas. Não suporto você assim. Tão sem vontade de ser quem você é. Tão sem vontade de ser quem você, maravilhosamente, é. Tão COM vontade de ser um fantasma. Uma merda de um fantasma. A porra do cd que eu gravei para você na sexta. Faixa 3. Suede. Ouça. Te adoro. Dorme bem. Nos falamos depois. You are not fucking dead.

Ela virou um bom gole do conhaque que estava tomando, enquanto a voz metálica da secretária eletrônica dizia adeus e agradecia a fodida ligação.
E ficou intrigada com a mensagem.

- Música 3? Cd? - pensou, enquanto procurava o cd.

Achou o disquinho jogado nas suas coisas, ao lado do potinho de baseado e dos incensos.
Não tinha nem lembrado dele. Definitivamente ela nem havia percebido ele.
Sentiu-se mal por ignorar seu melhor amigo.
Mais uma vez, muito mal.
Não havia qualquer indicação da música. Ela pôs o cd no aparelho e foi direto para a canção de número três.
E começou a chorar.
Percebeu que não podia ser um fantasma.
Não, ela não podia ser um fantasma ou fingir estar morta ou apagar os seus rastros.
Não mesmo.
Definitivamente, ela não podia fazer o que bem entendesse.
A vida era dela, certo, e a vontade de sumir também.
O medo de amar e a vontade de correr e correr e correr era bastante forte.
Mas havia um pequeno detalhe nisto tudo.
Um pequeno, porém significativo detalhe: havia, de verdade quem se importasse com ela. Quem, realmente, se importasse com ela e seus malditos defeitos.
E por mais que ela quisesse sumir, o rastro não era fraco o bastante para desaparecer.

you are not dead... you are not dead...

"she's Not Dead"
(suede)
"she'll come to her end locked in a car somewhere with exhaust in her hair
What's she called? I dunno, she's fucking with a slip of a man while the engine ran
And he said "She's not dead, she's gone away, gone away" he said
He said "She's not dead, just go away go away" he said
In the car he couldn't afford they found his made up name on her ankle chain
so don't call, don't call her at home
she's fucking with a slip of a man while the engine ran
and he said "she's not dead, she's gone away gone away" he said
he said "she's not dead, she's gone away gone away"
he said "just gone away, gone away" he said
she's gone away to someone else's bed
"

Comentários

Anônimo disse…
Te acompanho há um bom tempo.
E nunca, nunca li um texto teu do qual não tenha gostado.
Talvez pela narrativa leve e natural, de assuntos às vezes pesados.
Talvez pelo amor visceral que os textos transbordem, que em mim são tão tímidos quanto passinhos de samba num canto do salão.
Um grande beijo de quem não te conhece, mas sempre te lê.

Postagens mais visitadas deste blog

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

Luar || Penumbra || Sonho || Amor

leia e ouça: Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You “ Watch the sky, you know I Like a star shining in your eyes Sometimes I wonder why Just wanna hold your hands And walk with you side by side I know you know I love you, baby I know you know I love you, baby ” (Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You) Penumbra. Madrugada. 4:10 da manhã. Luz? Apenas a luz do luar combatendo as frestas da persiana mal fechada e que estava sofrendo bastante com as rajadas do vento cortante vindo ao seu encontro de forma incessante e dura. Sábado. Frente fria. Penumbra. Madrugada Amor. 4:13 da manhã. Luz? Apenas a dela. Do delicioso e escultural corpo. Dela. Aquele corpo nu ao seu lado, descoberto delicadamente e de forma não intencional pelos movimentos da noite. Linda. Sensual. Impecável. Escultura para os apaixonados. Como ele. E ele apenas a observava sob a luz do luar forte. Lua cheia. Lua cheia de amor, paixão, ímpeto, vontades, desejos, lua cheia. Lua cheia de vida. Lua cheia d...

Talvez

leia e ouça: Sinéad O'Connor || Love Letters   “ Love letters straight from you heart Keep us so near while apart I'm not alone in the night When I can have all the love that you write I memorize every line And I kiss the name that you sign, oh And darling then I read again Right from the start Love letters straight from your heart ” Talvez Talvez ser Talvez crescer Talvez nascer Talvez viver Talvez morrer Morrer? Não Talvez… Apenas talvez Talvez Talvez ser Madrugada Olhos da lua Cores fatigadas Talvez Talvez apenas ser Vida cruel que suga e é sugada Talvez Ser Talvez todo dia Talvez toda noite Talvez todo dia Talvez sorte  Talvez não Talvez má sorte Talvez não Talvez bom azar Talvez não Talvez tudo Talvez nada Talvez vida Talvez morte Talvez uma jornada Talvez Talvez necessário dizer  O que precisaria ser dito Talvez não manter Abafado este grito Talvez Talvez beleza Talvez tristeza Talvez grandeza  Talvez lerdeza Talvez vida Talvez não Talvez tudo Talvez nada ...

FIREWORKS

- Ai, que merda! - ela gritou, visivelmente irritada. - Tá louca? - ele respondeu, surpreso com o tom de voz dela. - Odeio esta música. DJ idiota - ela emendou - O Clube Varsóvia já foi melhor. Imbecil de escolher isto para o ano novo. - Você é louca? - ele perguntou, sério. - Não, porra, sou louca não. - Mas parece. Caralho. Há quanto tempo você vem no Varsóvia e NUNCA disse isso. O que há? Algum problema? - ele perguntou. Ela balançou a cabeça e seus olhos ficaram cheios de água - Nada - ela disse e confirmou - Nada. Não aconteceu porra nenhuma. - Como assim, nada? - ele questionou - Desde quando você fica transtornada assim? Por tão pouca coisa? Desde quando uma canção escolhida por um DJ idiota te tira do sério? - Nada, puta que o pariu. Nada. Pode ser? - ela disse, bastante brava. - Qual seu problema Lisa? Posso saber? Ela apenas abaixou a cabeça. - Me diz - ele insistiu. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e emendou - Hoje é primeiro de Janeiro. Ele a olho...

Ela Gritou

leia e ouça || Echo And The Bunnymen || Back of Love “ I'm on the chopping block chopping off my stopping thought self doubt and selfism were the cheapest things i ever bought when you say it's love d'you mean the back of love when you say it's love d'you mean the back of love? ” Madrugada. Silêncio. Vida. Noite. Um cigarro aceso. Vários cigarros acesos. Um copo americano cheio de álcool. Vários copos. Lágrimas. Choro. Vida. Madrugada. Silêncio. Horas. Noite. Tudo. Tudo. Madrugada. Vida. Ela. E ela? Ela apenas gritou. E de forma tão alta e tão forte e em um tom nada brando, em ato de coragem, em gesto de desespero. Ela gritou. Ela apenas gritou. Imaginava ele no aeroporto indo embora. Naquela noite. Naquela maldita noite. Indo para uma viagem insana em países nórdicos desconhecidos. Ela chorou. Ela gritou. Tentou de tudo para ficar com ele. Tentou de tudo para ser feliz. Tudo. E foi. Foi MUITO feliz ao lado dele. Mas, agora, sobrou o cigarro aceso, o incenso queiman...