Pular para o conteúdo principal

NÃO SÃO TEMPOS COMO QUAISQUER OUTROS


OUÇA: spang sisters || king prawn the 1st
Ela jogou o livro de lado irritada, ajeitou os cabelos tortos pela cama e levantou-se.
Aflita.
Ela estava aflita e sem paciência.
Nenhuma paciência.
Andou de um lado ao outro do quarto procurando algo para pensar, algo para tocar, algo para lembrar, algo para fazer.
Não pensou em nada ou, infelizmente, pensou sim tão logo percebeu o baú cor de palha encostado junto a parede.
Lembrou das dezenas de fotos e bilhetes e bobagens que estavam ali guardadas.
Pensou em abri-lo e considerou que esta seria uma boa ideia.
Aproximou-se do baú e percebeu o que estava prestes a fazer.
Parou brusca e riu da própria tolice em achar que as velhas lembranças podiam ajudar, ainda que em desespero.
Não, nada que lembrasse aquela pessoa poderia ser bom naquele momento - considerou.
Culpou o tédio pela burrice.
Voltou a si.
Sorriu e agradeceu a sei lá quem por ter voltado ao seu juízo normal a tempo.
Saiu do quarto.
Foi em direção a sala e observou aquele espaço agora vazio, que já foi palco de tantas pessoas, risadas, sorrisos, flores decorativas, romances, enfim, palco de muito do que ela viveu nos últimos tempos.
E agora estava vazio.
Ao menos naquele momento.
Sorriu nervosa e com raiva.
Queria ver as pessoas, queria abraçar alguém, queria falar, gritar, dançar, beijar, enfim, queria a sua vida de volta, o seu mundo de volta, por mais egoísta que fosse desejar isso, ao menos naquele momento.
Ela não queria desaparecer como uma nuvem de fumaça saindo através da chaminé de um navio em pleno oceano.
Não, ela não queria, até porque desaparecer assim seria muito, mas muito cafona.
E suspirou irritada.
Saiu pela sacada e percebeu que já era tardezinha. O sol que brilhava lá fora estava começando a querer partir.
Olhou o relógio e não acreditou. Daqui a pouco a noite chegaria e aquele brilho sumiria.
Então ela se deu conta de que o sol havia brilhado lá fora, pronto para ser admirado, o dia todo.
O dia inteirinho.
E ela não viu.
Não percebeu antes.
Suspirou novamente, agora com alívio.
Correu para a geladeira e para a vitrola.
Colocou um vinil que gostava.
Comfortably Numb.
Abriu o seu chá gelado e postou-se sentada no chão da sacada.
Ajeitou os cabelos, agora tortos pelo vento, tomou um gole generoso do seu chá extremamente gelado, percebeu a música crescendo ao fundo e admirou o brilho do sol.
O lindo brilho do sol diminuindo.
Ficou feliz por um instante.
Feliz por poder estar feliz e confortavelmente embriagada pelo seu chá gelado e pelo sol agora pequeno e confortável.
Confortavelmente estarrecida por poder ser feliz.  
Tédio?
Por um momento ele não estava mais lá.
Por um adorável momento.
Ela apenas sorriu.




Photo by torvald from FreeImages





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.

PASSE-ME O SAL PARA EU BOTAR NA SOBREMESA?

- Não há nada a desculpar – ele disse pouco tranquilo, muito mentiroso, entre os copos de vodka, as mesas e o barulho do Clube Varsóvia, tentando desviar do olhar adorável, inesquecível e maravilhoso daquela garota à sua frente. Ele a amava. Ela o olhou com ternura e amizade e fez um carinho breve e gentil no seu cabelo. Por instantes, breves instantes, ela lembrou de todo o afeto e paixão que sentiu por ele no passado. Todo o carinho, o afeto e o amor que sentiu por ele em um passado não tão distante. Como foram felizes. - Fica tranquila – ele disse e continuou - Nada a desculpar mesmo. Tudo em ordem do meu lado – ele prosseguiu – Você gosta de MPB mesmo. Eu detesto – completou, com um sorriso. - Você mente mal. Muito mal mesmo sabia? Quase um canastrão – ela brincou e continuou – Esqueceu que te conheço há um tempinho? - Muito tempo? – ele perguntou, tentando disfarçar, enquanto acendia um Marlboro – Dentre as mentiras da vida, duas nos revelam mais – recitou, citando a antiga c

TO THE END

- O que vc quer de mim? – ela perguntou, aos gritos – Que porra você quer de mim?. Ele olhou para o chão, triste. Não queria responder, não sabia responder. Preferiu o silêncio. - Vai responder, seu filho da puta? Vai? – ela gritou, enquanto dava socos no peito dele. Socos não fortes, porém socos repletos de raiva, desespero e dor. Ele ficou em silêncio. Ficou em total e absoluto silêncio, sem ter nada a dizer. Ela ter visto aquele beijo já era o suficiente. - Seu idiota. Seu completo e estúpido idiota. Sai daqui. Agora! – ela gritou. E ele saiu do pequeno apartamento e foi embora, descendo as curtas escadas daquele prédio tão antigo. E enquanto descia, podia ouvir, com desespero, o choro e a dor daquela garota tão especial, outrora o grande amor da sua vida. E caiu em choro e lamento. Pobre diabo...