Ela acordou sozinha e de repente, com um grito. Seu próprio grito. Era madrugada e ela acordou absolutamente assustada. Estava suada e sua cama estava completamente encharcada. Molhada de suor frio. O pesadelo havia sido insano. Insano e assustador. Era preciso ter nervos de aço para dormir naquelas noites. Nervos de aço. Ela levantou da cama tremendo e assustada. Foi direto para a cozinha, se é que havia alguma diferença entre o quarto em que ela dormia e a cozinha daquela porra de apartamento em que ela morava, ou melhor, se escondia. Ao lado do filtro de barro, de água, daqueles antigos, ela pegou um copo baixo americano. Não o encheu de água. Abriu o armário e encheu o copo de conhaque. Não conhaque dos bons, claro. Ela não tinha grana para este tipo de luxo. O máximo que ela conseguia comprar era algum destilado vagabundo, sempre dos mais baratos. Um conhaque escroto. Seu fígado já nem se importava mais. Ele estava pouco se fodendo com o líquido em si, o cérebro é que se importava e queria apenas o efeito. O torpor para o bem e para o mal. Sentou sozinha à mesa e pegou seu maço de cigarros mentolados. Os cigarros sim, mais caros do que o usual, mais caros do que ela podia efetivamente pagar. Morrer de tédio ou morrer de vodka barata ok, mas se é para morrer de câncer causado pelo tabagismo, que seja causado por cigarro do bom – pensou, idiota, sem o menor sentido ou lógica. Totalmente idiota. Totalmente imbecil. Acendeu o seu cigarro e percebeu que desabava uma tempestade monstruosa lá fora na cidade. Uma tempestade de verão daquelas que sempre afundam São Paulo. Por sorte é de madrugada – pensou, egoísta – Se fosse durante o dia foderia mais ainda a minha vida – pensou, lembrando do seu trabalho vagabundo, do seu salário ridículo, do metrô, do calor, do saco cheio, da sua rasa e infeliz rotina. Enquanto tragava o cigarro e “degustava” os seus esparsos goles de destilado vagabundo lembrou, com um arrepio, do pesadelo que a havia acordado. Tremeu mais uma vez. Sentiu medo e desespero e pânico por estar na situação em que estava. Sem perspectiva alguma, sem noção de para onde poder ir. Decidiu usar o único bem precioso e de algum valor que ainda lhe restava: o seu Ipod. Um antigo, claro. Primeira geração. Presente da sua mãe em algum lugar do passado. The Clash era o que lhe restava para aquela madrugada tempestuosa. Nada de músicas tristes ou melancólicas, pois morava no décimo sexto andar e não estava com a menor vontade de a vizinhança e o seu Genésio, o imbecil do síndico, tivessem a chance de ver como eram os seus miolos e seu corpo espatifado por dentro. Não queria ser notícia em vagabundos programas policiais sensacionalistas. Tomou o conhaque barato, fumou o seu cigarro, ouviu sua canção até o fim, apenas tamborilando os dedos e balançando a cabeça, quase feliz, quase feliz. Levantou em silêncio da cadeira da cozinha determinada a dormir. Já era muito, mas muito tarde. Lembrou, porém, que o Natal seria na semana que vem e que, a não ser por um milagre, a sua única companhia seria a de Papai Noel e, talvez, Rodolfo, a rena do nariz vermelho, pois o seu amor já não a amava mais, sua família morava em outro Estado e a desprezava e o Papa, coitado, fazia a missa do Galo em Latim em outro continente. Amigos? Não lembrava mais quais existiam. Mudou de idéia rapidamente e pegou mais um bocado do conhaque barato que estava tomando. Sentou novamente na velha cadeira da cozinha, acendeu outro cigarro mentolado e ligou, novamente, seu velho Ipod. Começou, como uma menina desesperada, a chorar compulsivamente, quase gritando. Desejou ardentemente, naquele momento, mais do que quando era aquela criança rosada e feliz, como seria bom ter por perto Papai Noel e Rodolfo, a pequena rena do nariz vermelho.
Ela acordou sozinha e de repente, com um grito. Seu próprio grito. Era madrugada e ela acordou absolutamente assustada. Estava suada e sua cama estava completamente encharcada. Molhada de suor frio. O pesadelo havia sido insano. Insano e assustador. Era preciso ter nervos de aço para dormir naquelas noites. Nervos de aço. Ela levantou da cama tremendo e assustada. Foi direto para a cozinha, se é que havia alguma diferença entre o quarto em que ela dormia e a cozinha daquela porra de apartamento em que ela morava, ou melhor, se escondia. Ao lado do filtro de barro, de água, daqueles antigos, ela pegou um copo baixo americano. Não o encheu de água. Abriu o armário e encheu o copo de conhaque. Não conhaque dos bons, claro. Ela não tinha grana para este tipo de luxo. O máximo que ela conseguia comprar era algum destilado vagabundo, sempre dos mais baratos. Um conhaque escroto. Seu fígado já nem se importava mais. Ele estava pouco se fodendo com o líquido em si, o cérebro é que se importava e queria apenas o efeito. O torpor para o bem e para o mal. Sentou sozinha à mesa e pegou seu maço de cigarros mentolados. Os cigarros sim, mais caros do que o usual, mais caros do que ela podia efetivamente pagar. Morrer de tédio ou morrer de vodka barata ok, mas se é para morrer de câncer causado pelo tabagismo, que seja causado por cigarro do bom – pensou, idiota, sem o menor sentido ou lógica. Totalmente idiota. Totalmente imbecil. Acendeu o seu cigarro e percebeu que desabava uma tempestade monstruosa lá fora na cidade. Uma tempestade de verão daquelas que sempre afundam São Paulo. Por sorte é de madrugada – pensou, egoísta – Se fosse durante o dia foderia mais ainda a minha vida – pensou, lembrando do seu trabalho vagabundo, do seu salário ridículo, do metrô, do calor, do saco cheio, da sua rasa e infeliz rotina. Enquanto tragava o cigarro e “degustava” os seus esparsos goles de destilado vagabundo lembrou, com um arrepio, do pesadelo que a havia acordado. Tremeu mais uma vez. Sentiu medo e desespero e pânico por estar na situação em que estava. Sem perspectiva alguma, sem noção de para onde poder ir. Decidiu usar o único bem precioso e de algum valor que ainda lhe restava: o seu Ipod. Um antigo, claro. Primeira geração. Presente da sua mãe em algum lugar do passado. The Clash era o que lhe restava para aquela madrugada tempestuosa. Nada de músicas tristes ou melancólicas, pois morava no décimo sexto andar e não estava com a menor vontade de a vizinhança e o seu Genésio, o imbecil do síndico, tivessem a chance de ver como eram os seus miolos e seu corpo espatifado por dentro. Não queria ser notícia em vagabundos programas policiais sensacionalistas. Tomou o conhaque barato, fumou o seu cigarro, ouviu sua canção até o fim, apenas tamborilando os dedos e balançando a cabeça, quase feliz, quase feliz. Levantou em silêncio da cadeira da cozinha determinada a dormir. Já era muito, mas muito tarde. Lembrou, porém, que o Natal seria na semana que vem e que, a não ser por um milagre, a sua única companhia seria a de Papai Noel e, talvez, Rodolfo, a rena do nariz vermelho, pois o seu amor já não a amava mais, sua família morava em outro Estado e a desprezava e o Papa, coitado, fazia a missa do Galo em Latim em outro continente. Amigos? Não lembrava mais quais existiam. Mudou de idéia rapidamente e pegou mais um bocado do conhaque barato que estava tomando. Sentou novamente na velha cadeira da cozinha, acendeu outro cigarro mentolado e ligou, novamente, seu velho Ipod. Começou, como uma menina desesperada, a chorar compulsivamente, quase gritando. Desejou ardentemente, naquele momento, mais do que quando era aquela criança rosada e feliz, como seria bom ter por perto Papai Noel e Rodolfo, a pequena rena do nariz vermelho.
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