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GUARDANAPOS E QUEBRA-CABEÇAS

- Tudo parece tão irreal, você não acha? – ela perguntou a ele, enquanto brincava com os dedos e uma caneta no seu guardanapo, todo sujo de batom.
- Como assim? – ele questionou, sem saber se não estava entendendo a pergunta por causa do sono, por causa das altas doses de tequila ingeridas ou, simplesmente, porque não fazia a menor questão de entendê-la.
- Parece papo de adolescente babaca, carente, mas é apenas irreal. É estranha esta falta do que ter a dizer para você. Mesmo depois de todo este tempo.
Ele continuou sem entender, mas, no fundo, já sabia o que ela estava tentando dizer.
- Anos e anos e anos que estamos juntos...
- ... que anos e anos? Estamos juntos há dois anos apenas, não? – ele interrompeu sem a menor sensibilidade e cerimônia.
Ela respirou fundo, irritadíssima e entediada, e continuou, ignorando o comentário inoportuno que ele havia feito - ... anos e anos e anos que estamos juntos e parecemos tão distantes. Cada dia mais. Cada maldito dia que passa, parecemos ainda mais distantes.
Ele olhou para ela de um modo extremo. Frio. Sem excitação, sem reação, sem vontade, sem tesão. Sem afeto. Preferiu continuar em silêncio.
- Eu gostava quando ficávamos juntos naquelas nossas tardes frias de outono na praia. Parecia que o tempo era apenas nosso.
Ele acendeu um cigarro e deu uma tragada forte. Soltou a fumaça lento, como se estivesse ganhando tempo. Deu uma nova tragada, desta vez mais fraca. Falou em um tom melancólico, direto, cruel – O frio do outono não combina mais com a nova estação, você não acha? Tempos distantes.
Ela segurou as lágrimas com uma força que não sabia que havia nela. Largou a esferográfica vagabunda sobre a mesa e rasgou de forma desastrada o guardanapo, todo sujo de batom, que estava entre seus dedos. Pegou sua bolsa, levantou e foi embora, sem sequer olhar para ele que ficou lá, assistindo o corpo pequeno daquela garota sumir entre as pessoas.
Ele ficou quieto fumando o seu cigarro e organizando, de modo distraído, as folhas rasgadas do guardanapo que ela deixou, todo sujo de batom.
Pediu a conta logo em seguida e foi embora, deixando para trás apenas a mesa vazia, os copos sujos, os cinzeiros cheios e o guardanapo rasgado.
Não percebeu que ele tinha uma frase escrita de forma nervosa, apaixonada, desesperada. Um quebra-cabeça de amor perfeito. Um desabafo. Uma frase simples escrita por uma garota maravilhosa, momentos antes

– eu te amo caralho. e vou ficar com você até o fim. só não seja cruel...

...

Mas ele foi. Azar do amor... azar...

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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,