OUÇA: clelia vega || losing my religion
Life is bigger**
It's bigger than you
Era um trem extremamente velho. Muito mesmo. Um trem como tantos outros que poderia servir muito bem como cenário para tantos filmes com roteiros passados em épocas antigas. Trem antigo com estilo e um mistério noir não mais usual hoje em dia. Bem, era apenas um trem e ele estava dentro dele, passageiro e sem companhia.
And you are not me
The lengths that I will go to
The distance in your eyes
Oh no I've said too much
I set it up.
Ele observava através da janela e percebia a paisagem que corria acelerada
lá fora. Uma paisagem cinza como chumbo e decorada com um chão úmido pela fina e
interminável chuva que não se cansava de cair. Estava muito frio lá fora. Muito.
That's me in the corner
That's me in the spotlight
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it
Por um instante, ele pensou que não era só a paisagem que corria ligeira
do lado de fora daquele trem. Ele pensou em como a sua própria vida andava
fluindo veloz, intensa, sem ordem, sem prumo, sem lógica e quase em caos.
Oh no I've said too much
I haven't said enough
I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try
Para esquecer o que não queria pensar, ele desviou o olhar para o interior do vagão e colocou-se a observar as pessoas ao seu redor, todas vermelhas e queimadas pelo frio, confortavelmente sentadas nas poltronas de veludo velho e gasto do trem, com seus casacos marrons e cinzas e seus cachecóis de desenhos cafonas.
Every whisper
Of every waking hour I'm
Choosing my confessions
Trying to keep an eye on you
Like a hurt lost and blinded fool
Oh no I've said too much
I set it up
Desistiu observar aquelas pessoas e voltou passivo a admirar a paisagem. Logo percebeu, longe e distante, um garoto em uma bicicleta azul índigo correndo da chuva fina como se não houvesse amanhã.
Consider this
Consider this
The hint of the century
Ele deu um sorriso leve da cena desastrada e o que mais o impressionou, enquanto as luzes da cidade sumiam através da janela e ficavam para trás com aquela porra de vagão em movimento acelerado, era a quantidade de bicicletas coloridas que existiam naquela cidade, ainda que distante do centro, ainda que no frio e em dias cinzentos
Consider this
The slip that brought me
To my knees failed
E ao lembrar das bicicletas, ele ficou com os olhos úmidos. Bastante úmidos. Ele lembrou DELA e da sua pequena bicicleta vermelha. Deus, como ela é linda! – ele pensou, querendo evitar o choro, querendo evitar desabar em lágrimas, ainda mais uma vez.
What if all these fantasies
Come flailing around
Now I've said too much
Apesar de não querer chorar, foi impossível manter-se equilibrado,
pois ele percebeu de uma forma desesperada e sem volta que, ao ir embora naquele
dia e daquela cidade, ele também estava deixando para trás aquela mulher tão
linda e a sua felicidade também.
I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try
E ele suspirou em desespero naquele instante, pois sentiu que aquilo não foi um sonho. Definitivamente não, nunca. Aquilo foi a sua vida real. Aconteceu. Ele segurou as lágrimas, respirou fundo e buscou algum conforto na ideia de que até que enfim viveu algo assim e sobreviveu para contar, sentir, lembrar e, quem sabe, reviver. Quem sabe reviver? Quem sabe? Bastava esperar o futuro.
E ele fechou os seus olhos e tentou dormir e sonhar, pouco se
importando com o chato garotinho ruivo e inoportuno que, folgado e sentado ao
seu lado, ouvia alto nos fones de ouvido do seu celular uma velha canção do REM
sem parar, sem parar e sem parar.
Sem trégua como os seus pensamentos.
Sem trégua como os seus pensamentos.
But that was just a dream
That was just a dream
(**Losing My Religion
REM
Writers:
Peter Buck, Bill Berry, Michael Stipe, Mike Mills
(conto adaptado do original publicado em 27.04.2004
Kotrij (ou apenas Losing my Religion)
Photo by tutnh from Free Images
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