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TORNANDO TUDO MAIS DIFÍCIL

Ele entrou em sua casa com os olhos vermelhos, inchados, desesperados. Jogou o seu casaco imundo em um canto qualquer da sala. Não acendeu a luz. Nenhuma luz. Também, convenhamos, ele nem precisava disso. A cortina daquela sala era tão vagabunda, que praticamente todos os ambientes da porra do apartamento ficavam claros e iluminados com a luz vermelha neon que pulsava do hotelzinho de putas vizinho. Ele tirou as botas tão sujas como o casaco jogado e ficou descalço, pisando no assoalho frio. Frio como ele estava agora. Acendeu um cigarro e ficou andando de um lado para o outro, imaginando o que poderia fazer. Quando se deu conta, estava com os pés sangrando. Tinha esquecido os cacos de vidro do copo americano cheio de conhaque que ele quebrou horas atrás. Estava tão longe, longe de tudo e de qualquer coisa real, que nem se deu conta de que o assoalho frio estava melado de conhaque e infestado de cacos disformes de vidro. Resultado? Seus pés sangravam e incomodavam. Porém, ele estava pouco se fodendo para os seus pés. Apagou o maldito cigarro numa caixa de fita cassete qualquer e sentou-se no assoalho frio, de forma a tentar conter um pouco do sangue e retirar alguns pedaços dos cacos. Ele agradeceu por não serem pequenos. Mais fácil para retirá-los. Muito mais fácil. Aliás, mesmo com todo o sangue, com toda a luz neon, com o cigarro apagado em latas de cervejas, com a jaqueta suja jogada num canto, com aquela porra de sala pequena, enfim, com toda a merda que era a sua vida, nada, mas absolutamente nada podia ser pior do que aquele quarto de hospital em que ele havia estado durante a noite toda. Nada. Aquele quarto de hospital era branco e feio e vazio e triste e claustrofóbico e cruel e rude e muito pesado para ele.

E para ela então? A pessoa que ele havia deixado naquele quarto de hospital branco e feio e vazio e triste e claustrofóbico e cruel e rude e pesado, muito pesado para qualquer um.

Ele deitou no chão melado de conhaque barato e começou a chorar como uma criança. Começou a chorar como alguém desesperado. Como alguém com medo. Ele não entendia a razão e nem o motivo de ela querer fazer tão mal a si própria, mesmo com todo o amor que ele sentia. Com todo aquele universo de amor.

Ele apenas não entendia.

E enquanto ela permanecia com os seus cortes no quarto de hospital, ele gritava querendo obter apenas uma razão. Apenas uma maldita razão.

A vida não é como andar de skate, querido. É muito mais perigosa do que isso. Muito mais. E isso é que me excita...


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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,