Pular para o conteúdo principal
INSISTINDO EM SER TRISTE

- É muito mais difícil escrever sobre a alegria do que sobre a tristeza, você não acha? – ela perguntou, parecendo preocupada.
Ele a observou por alguns instantes e disse, tranqüilo – Não tenho dúvidas sobre isso. A tristeza é muito mais simples de ser transformada em palavras, em descrições, enfim, é muito mais simples de ser transformada em cenários do que a alegria. A alegria talvez não inspire tanto. Não renda tantos frutos nestas nossas cabeças confusas.
- Então, é exatamente por isto que eu escrevo tanto sobre a tristeza. Por ser mais fácil. Quero as coisas mais fáceis para mim.
Ele a encarou com desaprovação e disse, baixo – Ué... – ele questionou – Deu para ser covarde agora?
- Eu? Covarde? – ela retrucou – Talvez. Você vê algum problema nisso? Algum problema em querer evitar problemas?
- Claro que vejo, minha querida, claro que vejo. Você é maior do que estas lágrimas e esta choradeira e esta merda toda. Você insiste em chorar e chorar e chorar. Já percebeu? Isso enche o saco, sabe? Enche muito o saco. Você é bem maior do que isto tudo, bem maior. Mas não, você insiste em não enxergar isto, insiste em ser triste, insiste em parecer sofrida, amarga, desinteressante, cansada. Não existe um limite para tanta auto-piedade? Será que vou ter escutar isto pelo resto dos meus dias?
Ela pareceu chocada diante de tanta sinceridade e suas pequenas mãos começaram a tremer, enquanto ela acendia um cigarro. O último do maço – Você não pode estar falando sério. Definitivamente. Há quantos anos me conhece? Quantos?
- O suficiente para entender tudo isso. O suficiente para te entender.
- Cara, não seja canalha comigo, por favor. Você pode ser tudo, mas canalha, não. Por favor. Não sei como alguém pode ter prazer em ser da forma como você me descreveu. Não mesmo – ela sentenciou -Tudo o que eu quero são sorrisos e manhãs de sol, não o contrário. Há algo errado com isso?
Ele a encarou no fundo dos seus olhos, bem no fundo dos seus olhos e quase gritou - É o que você busca? É o que você busca? Sorrisos e manhãs de sol?
- Melhor pedir a conta – ela sussurrou, enquanto pensava e curtia o seu último cigarro, tentando descobrir como aquele maldito à sua frente sabia tão bem sobre sua alma.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

por enquanto vai ficar sem comments mesmo, então, por favor, quem quiser sinta-se à vontade para mandar um e-mail...eu agradeço (e muito...)
A DOR DE OS OLHOS NÃO ENXERGAREM (ciúme) Já passava das duas da manhã quando ele decidiu sucumbir ao barulho daquela porra de telefone. Era a terceira vez que tocava no meio da noite durante aquela semana. E todas as vezes ele acordou e ele atendeu e ele não obteve resposta. Não era ninguém. Aliás, era alguém. Alguém muito próximo e alguém que ele conhecia bem, mas que se limitava a respirar e a não se identificar. Ele já não sabia mais o que fazer. Não sabia mais o que dizer. Ele apenas queria que aquele martírio acabasse e ele pudesse, enfim, dormir em paz e seguir a sua vida. Mas o barulho do telefone durante a madrugada era implacável. - Alô – ele disse, com a voz afogada em sono. Apenas silêncio foi a resposta. - Alô. Porra, porra, porra – ele gritou - Será que dá para você ligar para cá e ao menos dizer alguma coisa Mariana? Caralho. Será que vou ter que passar o resto das minhas madrugadas tendo que atender aos seus telefonemas insanos e insensatos. O que você aind...
BEIJANDO O CÉU - Certa vez, quando eu era muito pequena, minha mãe me disse que bastava ter pensamentos bons para eu poder flutuar e beijar o céu – ela disse, chorando. - E você conseguiu, não conseguiu? Bem ou mal... – sua melhor amiga perguntou, fazendo um carinho nos seus cabelos. - Consegui. E perdi tudo. De uma só vez, como seu fosse uma imbecil. - Mas você está aqui. Viva e sendo você. - E fodida também. E a partir de hoje eu vou sufocar todos os meus bons pensamentos. E sua amiga chorou junto. Querendo acreditar que ela ainda iria ficar bem novamente. Apenas querendo acreditar...
BOBAGENS SOBRE CÚPIDOS SÁDICOS Não há inspiração alguma. Não. Definitivamente não há qualquer inspiração. Nem uma foto, nem um desejo, nem um sorvete, uma dor, uma paixão, uma vida, uma morte. Não. Nada disso. Definitivamente, não há inspiração nesta manha tão cheia de chuva e nuvens chumbo. Pode ser o fim, o começo, o meio, qualquer coisa, mas o caminho parece liso, branco, único. Nada a dizer, nada a declamar, nada pelo que morrer, nada pelo que sonhar. O vazio entediante do espaço explode como uma tragada de nicotina no seu pulmão. E quando o tédio e o vazio são as coisas mais ressonantes em uma vida, ah, aí talvez seja melhor apenas chorar. beber umas tequilas, fumar algum cigarro. Entorpecentes. Escutar um disco de jazz antigo, mas jazz, porra, é das coisas mais chatas que existem na vida. Chato, chato, chato. Não que não seja maravilhoso ser Thelonious Monk ou John Coltrane. Neon e fumaça. Não, é chato apenas porque te faz sonhar e flutuar e lembrar do quão medíocre é e sempre se...