Pular para o conteúdo principal

CÉU LÍQUIDO


Ele estava sentado com as pernas bem dobradas, encostado junto à parede.
Debaixo da esquadria da janela da sala daquele apartamento vagabundo em que ele morava.
Uma droga.
Uma porra de apartamento.
No escuro, sentado com as pernas bem dobradas, quase com câimbras que sequer sentia, ele apenas via a sombra noir dos relâmpagos que davam as caras lá fora, intermitentemente.
Acuado e assustado.
Acuado e assustado.
Bem, nada estranho.
Nada estranho vindo dele.
Acuado e assustado era apenas ele na sua melhor forma.
Na sua pior forma.
Na forma de sempre.
Tolo as usual.
E a chuva parecia ser despejada do céu pelos anjos – anjos? Que porra é essa? - através de enormes baldes. Enormes baldes, repletos de água doce e ao mesmo tempo amarga.
Água das nuvens, dos rios, dos Alpes, de lágrimas e de tudo o mais o que parecesse líquido.
Mas, ainda assim, o seu baseado insistia em permanecer aceso preso entre seus lábios.
Insistia amigavelmente.
Bom amigo.
Seu único confidente naquele momento.
E não havia luz no apartamento.
Nada.
Porra nenhuma.
Nem uma faísca de nada.
Mas... Ele não tinha medo do escuro.
Não.
Ele tinha medo dele mesmo.
Apenas isso.
Simples assim.
Não havia luz no apartamento.
Nada.
Porra nenhuma.
Nem uma faísca de nada.
Nada.
Mas... Ele não tinha medo do escuro.
Não.
Definitivamente não.
Ele tinha medo dele mesmo.
Escuro?
Corte de energia pelo não pagamento ou simples queda em razão da chuva? Ele nem tinha idéia e isso pouco importava aquela altura do campeonato, aquela altura dos acontecimentos.
Naquele momento pouco importava a porra da ausência de luz. Pouco importava.
Mesmo.
Ele já não tinha dinheiro, telefone, carro, água e a luz, diante de tal cenário de caos, era o menor dos seus problemas. O menor dos seus problemas.
O que restava era proteger seu baseado, o pouco da vodka barata que restava na cozinha e suas pílulas rosa.
Apenas isso.
Nada mais.
E a chuva parecia ser despejada do céu através de enormes baldes. Enormes baldes, repletos de água doce e amarga. Água das nuvens, dos rios, de lágrimas e de tudo o mais que fosse líquido.
E ele permanecia sentado com as pernas bem dobradas, ainda encostado junto à esquadria da parede da sala.
Debaixo da esquadria da janela.
Debaixo da porra da esquadria com a foto dela entre seus dedos e o baseado entre seus lábios.
Queimando seus lábios.
Queimando seus lábios.
E seus dedos?
Dedos longos, finos e bem cuidados. Dedos de pianista como dizia sua falecida avó.
Os seus dedos segurando a foto.
A foto deles.
No escuro, ele ainda continuava apenas a ver a sombra noir dos relâmpagos nas paredes e que davam as caras lá fora.
Acuado e assustado.
Acuado e assustado.
Mas ele não tinha medo do escuro.
Não.
Mas se deu conta da sua situação e chorou.
Ele chorou.
Como uma criança.
Totalmente infantil.
Totalmente ele.
E debaixo da janela com todo aquele céu líquido derretendo as estrelas e com a foto dela entre seus dedos e o baseado entre seus lábios ele apenas desejou uma coisa...
... que ela estivesse por perto.
Que ela ainda estivesse por perto.
E que o céu não tivesse a afogado.
Afogado e levado-a para longe dele, mesmo depois de todas as besteiras que ele fez.
E que não queria mais fazer.
E o que ele queria debaixo daquele céu líquido e cruel era que ela ainda estivesse por perto.
Não afogada e não muito longe.
Não muito longe...

Não muito longe...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Quando Você Ama…

  leia e ouça: surf curse || freaks “...Don't kill me just help me run away From everyone I need a place to stay Where I can cover up my face Don't cry, I am just a freak I am just a freak I am just a freak I am just a freak…” (Surf Curse || Freaks) Quando você vive, você erra. Todos nós. Todos. Todos nós erramos, de um jeito ou de outro. Faz parte. Quem nunca errou? Quem nunca? Só quem não viveu. Quando você vive, você se expõe e acaba errando, cedo ou tarde. Mente quem diz que nunca errou, uma vez que certamente também errou em algum momento da vida e tenta negar isso. Eu? Se eu errei, omiti e menti? Sim. Certamente. Muito. Mais do que seria razoável, muito mais do que seria razoável. E só os Deuses sabem como foi difícil e errado e como me arrependo. Arrependimento? Muito. Arrependimento real e verdadeiro. Mas, a verdade é o mais importante. Sempre. E demorei a entender isso. Demorei MUITO. Muita porrada para entender isso. Muita porrada para entender isso. A transparência. ...

Você

leia e ouça: U2 | bad Você. Você é intensa demais, e eu a amo. Muito. Você. Sim, você mesmo, você sabe a quem me refiro: VOCÊ! Você tem os cabelos mais desgrenhados, bagunçados e divertidos do mundo. E eu amo. Você. Cada detalhe, cada aroma, cada toque, cada TUDO. Nós. Tem os olhos mais verdes do mundo, e eu a amo. Amo. Amo você. Minha esmeralda. Minha pequena. Minha mãozinha guia. Você. Você. Apenas você! A mulher que mais merece ser cafuneada no universo, na galáxia, em tudo. Toda hora, todo dia, todo tempo. Você. Eu a amo. Você. Você mesmo. Tem força, tem garra, tem voz, tem presença, tem vida, tem alegria, tem coerência, tem sorriso, tem empatia, simpatia, tem tudo. Pequena, mas gigante. Você. Eu sou muito honrado de receber e dar seus super likes . Te laqueio todo dia, toda hora. Você é simplesmente essencial, especial, única. Você… simplesmente e unicamente VOCÊ existe para mim. Nada mais. Mais ninguém, E por mais burrices que eu faça, que eu repita, que eu erre, imbecil que so...

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

PASSE-ME O SAL PARA EU BOTAR NA SOBREMESA?

- Não há nada a desculpar – ele disse pouco tranquilo, muito mentiroso, entre os copos de vodka, as mesas e o barulho do Clube Varsóvia, tentando desviar do olhar adorável, inesquecível e maravilhoso daquela garota à sua frente. Ele a amava. Ela o olhou com ternura e amizade e fez um carinho breve e gentil no seu cabelo. Por instantes, breves instantes, ela lembrou de todo o afeto e paixão que sentiu por ele no passado. Todo o carinho, o afeto e o amor que sentiu por ele em um passado não tão distante. Como foram felizes. - Fica tranquila – ele disse e continuou - Nada a desculpar mesmo. Tudo em ordem do meu lado – ele prosseguiu – Você gosta de MPB mesmo. Eu detesto – completou, com um sorriso. - Você mente mal. Muito mal mesmo sabia? Quase um canastrão – ela brincou e continuou – Esqueceu que te conheço há um tempinho? - Muito tempo? – ele perguntou, tentando disfarçar, enquanto acendia um Marlboro – Dentre as mentiras da vida, duas nos revelam mais – recitou, citando a antiga c...
DISCOS DE VINIL NÃO SALVAM VIDAS? - Discos de vinil não salvam vidas - Bia sentenciou, profana e canalha Nanda abriu os olhos em choque - Não? Como não? - Não, porra. Definitivamente, discos de vinil ou fitas cassete ou ipods ou seja lá o diabo, não salvam vidas. Não. - Você enlouqueceu? - disse Nanda. Bia sorriu um sorriso sinistro, triste, inadequado à felicidade. Adequado ao seu momento. - Claro que salvam. Se você não desistir de se matar ao ouvir Marvin Gaye e Tammi Terrell juntos e cantando apaixonadamente, então não sei o que mais pode te ajudar. - Nhá. Isso é para você, ingênua e esperançosa. - Se eu me fodesse, não me afogaria em etanol barato. Me afogaria em lágrimas ao som de um bom soul dos 60s. Estaria salva. - Que patético. - Você precisa de um choque de realidade. Um choque de vida. Você precisa de cores. = Vai começar. Já te disse para parar - pediu Bia. - Parar nada. Você precisa mesmo. De vida, porra. - Pára de encher. Você está me irritando - disse Bia. - Eu preciso ...