Pular para o conteúdo principal
FÁBULA DO IMPROVISO

- Você merece mais que isso.
- Mereço?
- Merece. Claro.
- Não sei da onde você tira essas idéias, essas demências.
- Do fundo da minha loucura?
- É.
- Deixa de ser boba.
- Não. Não deixo.
- Por que?
- Porquê o quê?
- Pára.
- Não.
- Pára, por favor.
- Com o quê?
- Com estas idéias idiotas de que você não é maravilhosa.
- Ah, tá. Só porque você pediu.
- Não tem espelho em casa?
- Não. Você tem?
- Tenho.
- No teto?
- Haha, não. Não no teto, mas tenho no quarto.
- Então me leva para lá e me mostra.
- O quê?
- Como sou bonita, toda nua na cama ao seu lado.
- Agora?
- É. E eu sou mulher de brincadeiras?
- Não. Definitivamente não.
- Então vamos.
- E depois, posso dormir?
- Claro.
- E fumar?
- Lógico.
- E beber?
- Também.
- E você cozinha para mim depois de me comer?
- Te adoro, sabe?
- Cozinha?
- Claro.
- Então vamos, mas cooking wine...
- Ei, isto é uma música.
- Alkaline Trio.
- Ah...
- E eu sou uma idiota falastrona.
- Vamos?
- Vamos. Imediatamente...

e partiram, deixando para trás um boteco retrô no centro da cidade, repleto de garrafas vazias e pessoas tristes...

...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PASSE-ME O SAL PARA EU BOTAR NA SOBREMESA?

- Não há nada a desculpar – ele disse pouco tranquilo, muito mentiroso, entre os copos de vodka, as mesas e o barulho do Clube Varsóvia, tentando desviar do olhar adorável, inesquecível e maravilhoso daquela garota à sua frente. Ele a amava. Ela o olhou com ternura e amizade e fez um carinho breve e gentil no seu cabelo. Por instantes, breves instantes, ela lembrou de todo o afeto e paixão que sentiu por ele no passado. Todo o carinho, o afeto e o amor que sentiu por ele em um passado não tão distante. Como foram felizes. - Fica tranquila – ele disse e continuou - Nada a desculpar mesmo. Tudo em ordem do meu lado – ele prosseguiu – Você gosta de MPB mesmo. Eu detesto – completou, com um sorriso. - Você mente mal. Muito mal mesmo sabia? Quase um canastrão – ela brincou e continuou – Esqueceu que te conheço há um tempinho? - Muito tempo? – ele perguntou, tentando disfarçar, enquanto acendia um Marlboro – Dentre as mentiras da vida, duas nos revelam mais – recitou, citando a antiga c...

TEMPESTADES DE NATAL

Ela acordou de repente, com um grito. Era madrugada e ela acordou absolutamente assustada. Estava suada e sua cama completamente encharcada. Suor frio. O pesadelo havia sido insano. Era preciso ter nervos de aço para dormir naqueles dias. Nervos de aço. E ela levantou da cama tremendo. Foi direto para a cozinha, se é que há diferença entre o quarto e a cozinha naquela porra de apartamento em que ela morava. Ou se escondia? Ao lado do filtro de água pegou um copo americano. Abriu o armário e encheu de conhaque. Não conhaque dos bons, claro. Ela não tinha grana para este tipo de luxo. O máximo que ela conseguia comprar era algum destilado vagabundo, sempre dos mais baratos. Sempre dos mais escrotos. Seu fígado já nem se importava. Ele estava pouco se fodendo com o líquido, o cérebro queria o efeito. Sentou à mesa e pegou seu maço de cigarros. Os cigarros sim, mais caros do que o usual. Morrer de tédio ou morrer de vodka barata ok, mas se é para morrer de câncer causado por cigarro, que...

NOSSO SUOR SE MISTUROU DEMAIS...

- Nosso suor, se misturou demais ... – ela cantarolou baixinho. Bem baixinho, emitindo sinais, mas não de propósito. Ele ouviu e respondeu de pronto – Música antiga, hein? Está ficando saudosa ou velha mesmo? – perguntou grosso, tosco, otário, como sempre fez, sem desviar os olhos do seu jornal. Ela apenas sorriu. Sabia que ele não era assim. Ele apenas se fazia – e gostava muito disso - de filho da puta. - Canção antiga. Vintage total. Vintage total. Mas vintage tá na moda , não é mesmo? – ele emendou – Veja o bando de velhos ouvindo discos de vinil por aí. - Você é um babaca – ela respondeu. Ele apenas sorriu. Tinha certeza disso. - Nosso suor, se misturou demais ... – ela cantarolou novamente. Desta vez não tão baixinho, não tão tímida. Não tão baixinho, nem um pouco tímida. Forte. Segura. Decidida. Sabia o queira, mas não achava o alvo. - Também acho – ele concordou, fechando o jornal com média força e suspirando forte – E não sei exatamente o que fazer. D...