E ela voltou a tocar piano.
Depois de anos e anos e anos.
Linda, divina e soberana.
Uma diva.
Depois de muitos e muitos anos parada.
Depois de muitos e muitos anos sem praticar.
Sem estudar.
Sem treinar.
Sem ouvir.
Sem nada.
Tocava como... apenas ela.
Nem das batidinhas na mão, quando errava, com um bastão de madeira da sua antiga e adorada professora ela lembrava.
Nem disso.
Nem disso.
Nem dessas malditas e deliciosamente adoráveis lembranças em sua mente.
Ela não lembrava.
Apenas queria tocar.
Apenas queria tocar.
E sempre e sempre e sempre.
Um eterno looping de amor e satisfação.
E muita.
Muita satisfação.
E todas as teclas estavam lá.
Todas.
Todas as teclas.
Pretas, brancas, de qualquer cor.
Isso era o que menos importava.
Pouco Importava.
Ela apenas queria tocar.
Tocar e tocar e tocar.
E um dia, após a aula, ela tocou.
Sozinha.
E tocou e tocou e tocou.
Todas as notas, todos os acordes, todas as cordas.
Sozinha.
Foi apenas feliz.
Quando acabou ouviu um respiro e um suspiro às suas costas.
- Quem está aí? – perguntou desconfiada, surpresa, amedrontada.
- Eu – ele respondeu suave.
- Apenas eu - repetiu de forma doce.
E ela, que não enxergava, apenas enxergava de forma virtual e lúdica as notas daquele bendito piano, apenas sorriu. Um dos seus mais deliciosos sorrisos.
Ela, cega, sabia que ele era lindo.
E ficaram juntos.
E ela?
Tocou ainda mais uma canção para ele que chorou e tentou disfarçar.
Mas ela, ainda que cega, sabia enxergar e escutar e sentir.
Sabia muito enxergar...
A alma daqueles que se escondem.
Muito.
Muito mesmo...
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