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DEPOIS DA TEMPESTADE
(inspirado e semi-escrito por...bem não há necessidade de dizer. Não mesmo)

E ele acordou cedo aquela manhã. Muito cedo. Talvez em razão do barulho da tempestade que estava para começar. O barulho dos raios e trovões estava assustadoramente alto. O vento também parecia querer derrubar e destruir a janela do quarto. Ele não sabia o que estava acontecendo. Tateou na cama e percebeu que ela não estava lá. Percebeu que ela havia deixado a cama há muito tempo, uma vez que o lado em que ela costumava dormir já estava bastante frio. Ele não percebeu que ela havia saído durante a madrugada. Não percebeu nada. Ele nunca percebia, não é mesmo? Chamou por ela enquanto se levantava, mas percebeu, pela ausência da sua bolsa, que ela havia ido embora. Levantou e sentiu uma tontura. Levantou rápido demais. Olhou pela casa toda e não a encontrou. Encontrou apenas um pequeno pedaço de papel deixado sobre o aparelho de som, preso entre um cd dos Smiths e um tape do Placebo. Abriu lentamente o pedaço de papel. Nele podia sentir o seu perfume. Começou a ler e a entender a razão daquelas letras miúdas, rabiscadas de um modo nervoso e aflito durante a madrugada...

Preciso te contar uma história. Caso você tenha saco de ouvir. É a história de uma garota. Uma mulher na verdade. Ela tinha 26, e se sentia exatamente como se um furacão tivesse acabado de passar sobre si. Uma mulher que ainda insistia em achar que era menina.
Em pouco tempo tinha ido ao paraíso, com passagem súbita para o mais profundo e quente dos infernos. Nunca tinha sofrido tanto...experimentado aquela dor que não cabia no peito, nem na alma, e nem no corpo...Era uma dor que parecia engolir sua essência, tudo aquilo que a tornava ela mesma. Perdeu a identidade, perdeu sua marca, que sempre tinha sido seu largo sorriso. Seus gostos, que faziam dela aquela garota , tinham ficado pelo caminho, ou se derretido com suas lágrimas. Nunca tinha sido tão feliz. Nunca tinha sido tão triste. Não suportou estar no olho do furacão, foi demais para seu coração, que estava dilacerado. Não podia mais viver, simplesmente tocar para frente, não tinham sobrado forças não tinha sobrado nada. Tudo que ouvia das bocas alheias era que aquilo passaria, que o tempo tudo curava. Mas não lhe interessava o que saía daqueles lábios estranhos e ordinários. Ninguém jamais entendera sua dor, e nem o que de fato a tinha levado a sentir-se daquele jeito.
Ninguém, precisava saber mesmo, ninguém poderia ajudar. Onde estava tudo aquilo no que ela acreditava? Suas crenças, sua fé? Tinham partido junto com seus sonhos, e com todo o resto de esperança que ela ainda tinha de viver uma linda história, uma cena de filme. O furacão já passou... tinha sido dragada, e depois cuspida de volta para sua pobre e sonsa realidade. Não era triste, e nem feliz. Tinha tornado-se seca, sem nada dentro, oca. Vivia os dias, por viver, um atrás do outro, e as vezes chorava. Chorava escondida, ouvindo Spiritualized, e tendo a sensação de que tantas daquelas letras eram a mais pura tradução do que ela sentia. Não havia razão para tristeza, mas nem para alegria. Parecia ter perdido o brilho, dos olhos, do sorriso e o próprio brilho de sempre querer fazer da vida um lugar legal, e de viver, uma tarefa intensa e divertida. Tinha se apagado. E assim seguiam-se os dias...um e depois outro e outro, sem novidades, sem emoções, sem acreditar que finais felizes existem na vida real, sem um propósito. Agora eram só restos, e restos, e restos...
E eu não quero ser essa menina...nunca mais...não mais


Ele desviou os olhos do pedaço de papel e pôs-se a observar as gotas imensas que começavam a despencar do céu, formando um verdadeiro ballet de dor e desespero...acendeu um cigarro e apenas ficou lá, sentado no chão próximo a janela, pensando no que aconteceria a ele depois da tempestade...depois daquela maldita tempestade...

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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,