DIAS ASSIM...CINZAS OU COLORIDOS
- Vamos desistir dessa porra de aula e rodar por aí? – sugeriu Caco, assim que Laura entrou no carro.
- Quê? – ela disse, ainda tonta pelo sono.
- Ah, confessa, essa uma idéia genial para essa hora da manhã – ajudou Nando, sentado com um cigarro no banco de trás do veículo – Pensa bem. Hoje é quinta feira, não estamos com a menor vontade de ficar trancados em uma estafante sala de aula, estamos com o tanque desse carro velho totalmente cheio, estamos com vários cd´s legais aqui e, melhor, temos que celebrar a sua viagem insana e inconseqüente que, lembre-se, será daqui pouco mais de um mês. Vamos embora. Hey Ho, babe, que pensa? – completou com um sorriso.
Laura olhou para os dois lunáticos, seus amigos de muito tempo e, com um sorriso bem menos amanhecido, sentenciou – Não precisa nem repetir. Vamos embora.
Caco ligou o carro e eles saíram acelerados, sem rumo certo, sob sorrisos e palavras. Rodaram e rodaram e rodaram e acabaram no litoral, numa praia deliciosamente vazia pelo dia totalmente nublado e chuvoso.
Ficaram por lá o dia todo. Beberam, fumaram, andaram, correram na areia, ouviram música, sorriram, sonharam, enfim, viveram, como todo dia deveriam viver, como todo dia poderia ser.
- Adoro dias cinzas de verão. Especialmente finais de tarde como esse. Adoro assistir a noite surgindo em dias cinzas – Caco disse, assim que os três amigos sentaram num tronco caído na areia – Acho tragicamente poético, deliciosamente vivo.
- Eu também – concordou Laura – Dias cinzas são confortáveis e, por mais estranho que possa parecer, transformam em coloridos todos os meus doloridos pensamentos cinzas. Minha vida nublada e aborrecida.
- O que é isso, Lalau? Enlouqueceu? – emendou Nando, contrariado - O que tinha que acontecer de ruim contigo já aconteceu, relaxa. Emprego perdido, vaga no ballet do Muncipal rejeitada, namorado roubado, família pirada, idéias perdidas, enfim, tudo o que se poderia imaginar e, pior, de uma vez só. Tudo ao mesmo tempo. Porra, nada mais pode te atingir querida – finalizou, sorrindo.
Laura fez um gesto gentil com a cabeça e, mexendo em seus longos e tumultuados cabelos vermelhos, retribuiu o sorriso, porém sem qualquer convicção.
- Ele tem razão Lalau, toda a razão. Detesto concordar com o Nando, mas, desta vez, ele tem toda a razão dessa droga de mundo. Você precisa acostumar-se. Essa É a sua vida - enfatizou. E se eles não entendem, que se fodam todos. Simplesmente que se fodam. O máximo que você pode fazer é divertir-se, e muito, com essa sua vidinha besta, porém adorável. Divirta-se. Sempre. De preferência, conosco – disse, quase gargalhando.
Ela abraçou os dois, com força e, segurando as lágrimas disse, contida – Vou sentir falta de dias cinzas em Londres. Com toda a certeza.
- Ei? – disse Nando, indignado e buscando esconder o desespero da despedida – Isso é impossível, impossível. O que mais tem em Londres são dias cinzas, querida.
Ela o olhou com carinho e disse, animada - Mas não dias como esse... definitivamente ... não dias como esse.
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