Ela não tinha carro.
Definitivamente não. Nada. Carro nenhum. Nada. Ela não tinha carro e dependia apenas das suas próprias pernas para andar.
Apenas dela e das suas longas pernas.
Só transporte público.
E ruim.
Péssimo transporte público.
Ela dependia dele e andava em trem, ônibus, táxi, bicicleta, a pé, de um lado para outro por toda a cidade. De um lado para outro. Por toda a cidade.
E nas suas viagens loucas , longas e insuportáveis, ao invés de ficar como uma idiota no fone de ouvido e num celular vagabundo ela apenas observava.
A tudo e a todas as situações.
Observava a tudo e a todos com a maior esperteza, com a maior atenção.
Esperta.
Nada de malditos fones de ouvidos brancos e joguinhos sem graça.
Nada de música ruim nos headphones.
Nada de música ruim.
Nunca.
Nem jogos idiotas.
Ela gostava de observar. E era boa nisso. Muito.
Ela parecia boba.
Mas não era.
Longe disso.
Muito longe disso.
Boba nunca.
Nunca.
Ela era muito, muito, mas muito esperta.
Muito esperta mesmo. A começar pela dispensa dos fones de ouvido brancos que todos usam hoje em dia (e na maior parte das vezes para ouvir música ruim).
Ela observava, nas suas viagens de trem, os casais se beijando e percebia que "ele" não amava a "sua" companheira. Beijos por obrigação. Apenas isso.
Ela observava, nas suas intermináveis viagens de trem, os casais se beijando e percebia que "ela" não amava o cara ao seu lado. Não. Ela não o queria. Não havia interesse.
Observava os casais e percebia quando se odiavam. Gays, héteros, enfim, qualquer porra. Ela apenas observava. Apenas observava. Apenas isso.
Era mestre nisso. Observar.
Observar.
Apenas observar.
Observava pessoas tristes, pessoas infantis, pessoas fracassadas, pessoas bem sucedidas. Pessoas de todos os tipos, de todos os sexos e de todas as cores. De todos os tipos, definitivamente.
Mas em suas andanças, quase todos os dias ela se deparava no último vagão com um casal lindo e apaixonado.
Eles sempre chamavam a atenção. Sempre.
Beijavam-se com paixão e atração, com ilusão e delícia.
Nítido o amor presente neles.
Ela adorava os observar.
Sempre juntos, sempre unidos, até a estação Pinheiros.
Daí ela partia e ele ficava triste, apenas olhando o caminho diverso dela.
Ela era alta, linda, magra, simples e maravilhosa.
Cabelos dourados e lindos.
Ele?
Baixo e feio e gordo e simples e comum, porém charmoso.
Um dia, para surpresa da nossa observadora, ele estava só.
Ela? Não estava.
Nem sombra dela.
Os olhos marejados dele a deixaram angustiados, mas ela não ousou perguntar nada. Ficou em silêncio.
Apenas o barulho das paradas do trem.
Ele deixou o vagão na estação habitual e partiu.
Ela nunca mais viu a menina bonita junto do garoto charmoso.
Nunca mais.
Pensou o que aconteceu. Nunca soube.
Ele?
Ela continuou o observar por quase todos os dias.
Sozinho.
Sempre sozinho.
Nunca mais com aquele brilho no olhar....
Nunca mais...
Pobre...
Tristes são as estações de trem...
Tristes.
Cheias de estórias tristes e vagões lotados...
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