Pular para o conteúdo principal


LEMBRANÇAS DE CAPUCCINOS E NUVENS CINZAS

- Anne? Anne? Não acredito! – Pedro gritou a uma moça alta e loira, com quem acabara de cruzar na rua e que andava rápida, tentando lutar contra a chuva com um simples e pequeno guarda chuva cor de café.
Ela olhou para trás em direção àquela voz e o observou, distante, dizendo após alguns segundos sem disfarçar a surpresa – Pedro? Você?
Ele fez um sinal carinhoso com a cabeça e disse com um sorriso, aproximando-se – Exato Anne. Pedro. Que bom que lembrou – disse, abraçando-a suavemente debaixo do guarda chuva cor de café.
Mesmo surpresa, ela disse, terna - É claro que eu lembro. É claro. Como poderia esquecer?
- Tudo bem com você? – ele perguntou.
- Tudo ótimo. Tudo ótimo. Levando a vida e walking on the normal side como NÃO diria Lou Reed – respondeu sorrindo da própria brincadeira.
Ele sorriu e propôs - Escuta, se você tiver uns minutinhos, eu adoraria tomar um capuccino aqui na esquina. Prometo que será rápido. Essa chuva está de matar.
- Não sei. Estou atrasada.
- Pelos bons tempos? Apesar de ser totalmente démodé e antiquada, essa ainda é uma boa razão.
- Olhe Pedro, eu não sei se eu quero reabrir pequenos baús. Entende o que digo?
- Anne, eu também não quero. Não é todo dia que nos encontramos e provavelmente isso vai demorar mais uma vida para acontecer de novo. É só um capuccino.
- Tudo bem, mas só um capuccino rápido. Tenho mesmo um compromisso.

Assim que chegaram ao café, sentaram a uma mesa pequena, deixando de lado os ensopados guarda chuvas.

- Estranho nos encontrarmos assim, não? – ele disse, com um sorriso diferente.
- Coisas da vida, como dizia a minha avó Jacqueline. Quando menos esperamos, alguma surpresa esbarra conosco.
- Uma boa surpresa? – ele pergunta
Ela olha de uma forma seca e diz - Uma surpresa. Apenas uma surpresa. Uma espécie de teste que a vida nos aplica para tirar um sarro das nossas vidinhas rasas e sem a menor graça.
Ele a olhou com certo constrangimento e perguntou - Já faz quanto tempo?
- Desde a última vez em que nos falamos? Uns nove anos. Nove anos...quem diria? Jamais imaginei que fosse passar tanto tempo e que estaríamos aqui, de novo, eu e você tomando um capuccino rápido e molhado - sorriu.
- É. Um capuccino rápido – ele emendou, com certa tristeza – O que será que houve com a gente?
Ela olhou para a chuva que caía lá fora e disse, distante – Não sei. Eu realmente não tenho a menor idéia. Não sei se fui eu, você ou o próprio João que acendeu o pavio e explodiu tudo. Às vezes me pergunto se talvez não tenha sido os três juntos que tomaram a overdose. Numa espécie de celebração doentia da vida inconseqüente, da vida louca, da vida eterna.
- Também me pergunto isso. Também me pergunto. Eu sei é que doeu demais e eu não tinha nem um terço da maturidade suficiente para fugir daquilo tudo.
- Sabe que ainda faço terapia? – ela perguntou – Sabe que ainda tenho sonhos? Ainda desejo todo aquele pó? Toda aquela nossa vida adoravelmente destrambelhada? Adoravelmente marginal? Adoravelmente lúdica? Sabe que tenho sonhos com o João quase todas as noites? Choro ao lembrar como éramos grudados. Eu, você e ele. Adorável e tragicamente ligados.
- Amigos de infância...
- ... que se matam de tanto tomar drogas? – ela o interrompeu – É, hoje em dia seria o roteiro de um filme de quinta categoria. Totalmente irrelevante. Totalmente clichê.
- Mas real – ele disse – Absurdamente real e mais comum do que se pensa. Você parou?
- Completamente. E você?
- Também...completamente.
- Sabe de uma coisa?
- O quê – ele disse.
- Só tem uma coisa pior e mais assustadora do que ser anormal, viciada ou pervertida. Ser...
- ... absolutamente normal – interrompeu Pedro, gargalhando violentamente junto com Anne naquela tarde de capuccinos, risadas, memórias e nuvens cinzas. Nuvens bem cinzas...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

Luar || Penumbra || Sonho || Amor

leia e ouça: Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You “ Watch the sky, you know I Like a star shining in your eyes Sometimes I wonder why Just wanna hold your hands And walk with you side by side I know you know I love you, baby I know you know I love you, baby ” (Sunset Rollercoaster - I Know You Know I Love You) Penumbra. Madrugada. 4:10 da manhã. Luz? Apenas a luz do luar combatendo as frestas da persiana mal fechada e que estava sofrendo bastante com as rajadas do vento cortante vindo ao seu encontro de forma incessante e dura. Sábado. Frente fria. Penumbra. Madrugada Amor. 4:13 da manhã. Luz? Apenas a dela. Do delicioso e escultural corpo. Dela. Aquele corpo nu ao seu lado, descoberto delicadamente e de forma não intencional pelos movimentos da noite. Linda. Sensual. Impecável. Escultura para os apaixonados. Como ele. E ele apenas a observava sob a luz do luar forte. Lua cheia. Lua cheia de amor, paixão, ímpeto, vontades, desejos, lua cheia. Lua cheia de vida. Lua cheia d...

Talvez

leia e ouça: Sinéad O'Connor || Love Letters   “ Love letters straight from you heart Keep us so near while apart I'm not alone in the night When I can have all the love that you write I memorize every line And I kiss the name that you sign, oh And darling then I read again Right from the start Love letters straight from your heart ” Talvez Talvez ser Talvez crescer Talvez nascer Talvez viver Talvez morrer Morrer? Não Talvez… Apenas talvez Talvez Talvez ser Madrugada Olhos da lua Cores fatigadas Talvez Talvez apenas ser Vida cruel que suga e é sugada Talvez Ser Talvez todo dia Talvez toda noite Talvez todo dia Talvez sorte  Talvez não Talvez má sorte Talvez não Talvez bom azar Talvez não Talvez tudo Talvez nada Talvez vida Talvez morte Talvez uma jornada Talvez Talvez necessário dizer  O que precisaria ser dito Talvez não manter Abafado este grito Talvez Talvez beleza Talvez tristeza Talvez grandeza  Talvez lerdeza Talvez vida Talvez não Talvez tudo Talvez nada ...

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios. ...

FIREWORKS

- Ai, que merda! - ela gritou, visivelmente irritada. - Tá louca? - ele respondeu, surpreso com o tom de voz dela. - Odeio esta música. DJ idiota - ela emendou - O Clube Varsóvia já foi melhor. Imbecil de escolher isto para o ano novo. - Você é louca? - ele perguntou, sério. - Não, porra, sou louca não. - Mas parece. Caralho. Há quanto tempo você vem no Varsóvia e NUNCA disse isso. O que há? Algum problema? - ele perguntou. Ela balançou a cabeça e seus olhos ficaram cheios de água - Nada - ela disse e confirmou - Nada. Não aconteceu porra nenhuma. - Como assim, nada? - ele questionou - Desde quando você fica transtornada assim? Por tão pouca coisa? Desde quando uma canção escolhida por um DJ idiota te tira do sério? - Nada, puta que o pariu. Nada. Pode ser? - ela disse, bastante brava. - Qual seu problema Lisa? Posso saber? Ela apenas abaixou a cabeça. - Me diz - ele insistiu. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e emendou - Hoje é primeiro de Janeiro. Ele a olho...