Pular para o conteúdo principal
PARA GARRAFAS QUEBRADAS, NADA COMO LUVAS DE VELUDO

- Então, tá! – ele disse, com a voz delirante, quase todo chapado pelas doses cavalares de vodka, por ele ingeridas naquele boteco cravado no centro da cidade – Então, tá! – ele continuou - Vamos imaginar tudo isso como um grande engano, um grande, um enorme, um monstruoso erro de cálculo. Um mal entendido. Que acha? Vamos encarar as coisas dessa forma? Tudo fica mais fácil.
- Para quem? – ela perguntou, incrédula – Fica tudo mais fácil para quem? – perguntou com os olhos frios, enquanto acendia o seu inseparável Marlboro Light.
Ele a olhou com espanto, não podia acreditar em tudo aquilo. Não podia mesmo – Talvez para nós dois. Talvez para nossa amizade. Talvez para o mundo – ele exagerou.
Ela deu uma tragada forte e profunda no seu cigarro, e disparou com a sua voz rouca e penetrante – Não posso acreditar que você vai negar isso a nós. Não posso mesmo. Porra cara, jamais pensei que você fosse este tipo de babaca, de covarde, de bundão, de idiota. Declarações de amor são o que para você? – ela perguntou.
Ele suspirou em desespero e disse, quase sem voz – Declarações de amor de amigas queridas, de pessoas que eu adoro, de pessoas que são a minha própria vida, de pessoas adoráveis e lindas como você, são como cacos de garrafas quebradas, podem machucar para caralho. – ele argumentou, arrasado.
- E não vale a pena? – ela perguntou, cruel.
Ele encarou o chão, com muito cuidado para não esbarrar nos olhos pretos daquela moça linda sentada à sua frente. Encarou o chão e ficou em silêncio, enquanto escolhia cuidadosamente as melhores palavras a dizer, sem machucar. Não foi necessário.
- Tudo bem – ela disse – Tudo bem. Não precisa dizer nada. Mais nada. Quer mais vodka?
Ele concordou com a cabeça e disse, aliviado – Eu te amo amiga.
Ela apenas apagou o cigarro e deu um sorriso, feliz e infeliz por tudo estar de volta ao seu lugar. Como era antes. Como era antes daquela semana começar...


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PASSE-ME O SAL PARA EU BOTAR NA SOBREMESA?

- Não há nada a desculpar – ele disse pouco tranquilo, muito mentiroso, entre os copos de vodka, as mesas e o barulho do Clube Varsóvia, tentando desviar do olhar adorável, inesquecível e maravilhoso daquela garota à sua frente. Ele a amava. Ela o olhou com ternura e amizade e fez um carinho breve e gentil no seu cabelo. Por instantes, breves instantes, ela lembrou de todo o afeto e paixão que sentiu por ele no passado. Todo o carinho, o afeto e o amor que sentiu por ele em um passado não tão distante. Como foram felizes. - Fica tranquila – ele disse e continuou - Nada a desculpar mesmo. Tudo em ordem do meu lado – ele prosseguiu – Você gosta de MPB mesmo. Eu detesto – completou, com um sorriso. - Você mente mal. Muito mal mesmo sabia? Quase um canastrão – ela brincou e continuou – Esqueceu que te conheço há um tempinho? - Muito tempo? – ele perguntou, tentando disfarçar, enquanto acendia um Marlboro – Dentre as mentiras da vida, duas nos revelam mais – recitou, citando a antiga c...

TEMPESTADES DE NATAL

Ela acordou de repente, com um grito. Era madrugada e ela acordou absolutamente assustada. Estava suada e sua cama completamente encharcada. Suor frio. O pesadelo havia sido insano. Era preciso ter nervos de aço para dormir naqueles dias. Nervos de aço. E ela levantou da cama tremendo. Foi direto para a cozinha, se é que há diferença entre o quarto e a cozinha naquela porra de apartamento em que ela morava. Ou se escondia? Ao lado do filtro de água pegou um copo americano. Abriu o armário e encheu de conhaque. Não conhaque dos bons, claro. Ela não tinha grana para este tipo de luxo. O máximo que ela conseguia comprar era algum destilado vagabundo, sempre dos mais baratos. Sempre dos mais escrotos. Seu fígado já nem se importava. Ele estava pouco se fodendo com o líquido, o cérebro queria o efeito. Sentou à mesa e pegou seu maço de cigarros. Os cigarros sim, mais caros do que o usual. Morrer de tédio ou morrer de vodka barata ok, mas se é para morrer de câncer causado por cigarro, que...

Going Down

leia e ouça: lou reed || going down “... Time's not what it seems. It just seems longer, when you're lonely in this world. Everything, it seems, Would be brighter if your nights were spent with some girl Yeah, you're falling all around. Yeah, you're crashing upside down. Oh, oh, and you know you're going down For the last time …” Lou Reed || Going Down E o sonho avançava. Apenas avançava. A noite tinha apenas começado. … - Ei mocinha. Mocinha? Me ouve? Ela chacoalhou os cabelos castanhos desgrenhados, um monte de nós sem sentido, apenas ela, virou o rosto confuso e encarou aquele sujeito grande, intimidador, com cara de bravo e que estava imóvel à sua frente, um verdadeiro brusco naquele cenário. - Então, me ouve? Está me ouvindo? - aquele grandalhão insistiu - Me ouve, porra? - disse, de modo grosseiro. Ela olhou com um tanto de medo e sem saber exatamente o que fazer, o que dizer, o que mexer, o que responder, nada disse. Apenas, nada disse. - Você entende? É surd...

NOSSO SUOR SE MISTUROU DEMAIS...

- Nosso suor, se misturou demais ... – ela cantarolou baixinho. Bem baixinho, emitindo sinais, mas não de propósito. Ele ouviu e respondeu de pronto – Música antiga, hein? Está ficando saudosa ou velha mesmo? – perguntou grosso, tosco, otário, como sempre fez, sem desviar os olhos do seu jornal. Ela apenas sorriu. Sabia que ele não era assim. Ele apenas se fazia – e gostava muito disso - de filho da puta. - Canção antiga. Vintage total. Vintage total. Mas vintage tá na moda , não é mesmo? – ele emendou – Veja o bando de velhos ouvindo discos de vinil por aí. - Você é um babaca – ela respondeu. Ele apenas sorriu. Tinha certeza disso. - Nosso suor, se misturou demais ... – ela cantarolou novamente. Desta vez não tão baixinho, não tão tímida. Não tão baixinho, nem um pouco tímida. Forte. Segura. Decidida. Sabia o queira, mas não achava o alvo. - Também acho – ele concordou, fechando o jornal com média força e suspirando forte – E não sei exatamente o que fazer. D...