Pular para o conteúdo principal

QUANDO BILHETES MAL ESCRITOS DIZEM MAIS DO QUE VOCÊ QUER DIZER


- Não estou entendendo porra nenhuma – ele disse, sério, tentando disfarçar o nervosismo, transformando a suposta raiva em defesa. Uma conveniente e comovente defesa prévia.
- Como não? Você é idiota ou imbecil? Escolhe, seu porra. Idiota ou imbecil? – ela respondeu, ríspida.
- Você é uma babaca –ele disse, bravo - Pára de querer ser sarcástica. Pára de querer ser a dona da verdade.
Ela riu e emendou, cruel – Sarcástica? Sarcástica? Dona da verdade? Vá à puta que o pariu. Você é um tremendo de um filho da puta, sabia? – gritou, arremessando, logo em seguida, o copo americano de conhaque em sua direção, o qual arrebentou e se estilhaçou na parede da cozinha.
- Pára de gritar e de ser louca – ele respondeu, nervoso, ignorando os cacos de vidro recém quebrados no chão da cozinha. Tentou acender o seu Marlboro. Não conseguiu. Tremia demais.
- Você é um escroto. Um tremendo de um idiota – ela completou, completamente transtornada – Não sei aonde eu estava com a porra da cabeça quando me apaixonei por você.
- Apaixonou? – ele disse, com ironia fina, agora sim conseguindo acender o seu cigarro – Uau, como você conseguiu? Vai ver eu tenho os meus méritos. Ou tive, sei lá – finalizou - Tanto faz. Você não me importa – completou.
- Imbecil. Imbecil de merda – ela respondeu, tentando acertar, sem sucesso, um tapa na cara dele.
- Você pode me dizer o que eu fiz? Caralho. Você só vem com acusações, com acusações e com acusações. Fala porra. O que eu fiz de errado? O que eu fiz de tão errado assim?
- É brincadeira? – ela perguntou, olhando para ele com um olhar incomum e insano. Um olhar transtornado e infeliz.
- Claro que não. Brincadeira é o caralho. Sei lá o que você está dizendo. Sei lá do que você está me acusando. Você, desde que chegou, apenas parou aí na porta da cozinha e começou a gritar e a esbravejar e me acusar de todas as coisas e todos os crimes possíveis existentes no mundo. E eu nem sei do que se trata – ele emendou, tentando parecer uma vítima. A vítima perfeita.
Ela começou a chorar como uma desesperada e tirou um pedaço de papel amassado do bolso. Um pedaço de papel bem amassado
– Lê isso, seu babaca – ela mandou, com uma fúria poucas vezes antes vista naquele quarto e sala no centro da cidade.
Ele reconheceu o papel e engoliu seco e meneou a cabeça. Sabia do que se tratava e se arrependeu na hora. Tentou disfarçar. Ficou imóvel. Preferia estar morto.
- Leia, seu cretino. Leia, seu imbecil, filho de uma puta. Leia esta merda que você mesmo escreveu. Em voz alta, filho da puta.
- Como você achou este bilhete? – ele perguntou, incrédulo.
- Te interessa? – ela respondeu, puta.
Ele abaixou a cabeça e ficou em silêncio.
Ela começou e chorar ainda mais forte e mais forte.
- Desculpa – ele pediu, trêmulo.
  Ela sorriu e balançou a cabeça negativamente.
- Às vezes, nós erramos – ele disse, triste.
- Filho da puta – ela gritou, tentando acertá-lo com socos confusos e mal dados.
- Às vezes, nós erramos. Todos nós – ele completou, com uma lágrima no olhar.
- Idiota. Eu te amei tanto. Eu te amei tanto – ela disparou, virando as costas e disfarçando o choro.
Saiu do apartamento com a cabeça baixa, os olhos molhados e o coração partido enquanto ele, pobre diabo e imbecil, não conseguiu mais segurar o choro e o arrependimento de todas as bobagens que fez.
Todas as bobagens que fez.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
NÃO SERIA LEGAL? FAZER PARTE DE UM FILME DE AMOR... - Beatles? - ela perguntou. - Não - ele respondeu, rindo. - Não sei então. - Vai desistir fácil assim? - ele provocou. - Claro. Você acha que você vale tanto a pena? - ela disparou com um sorriso, retribuindo a provocação e brincando como uma menina. - Você é que tem que me responder isso - ele disse. - É? - ela perguntou. - Claro. - Não sei então. - Não sabe o quê? - Se você vale tanto a pena assim. - Achei que eu pudesse valer. - Nem sei por que estamos discutindo isso - ela disse. - Nem eu - ele respondeu, desenhando o nada com os pés descalços na areia gelada. - Deixa eu te dizer uma coisa - ela falou. - À vontade. - Existe algo mais sensacional do que este pôr do sol que você está testemunhando aqui nesta praia? Este pôr do sol de um dia de outono. Nem bem frio, nem bem quente, porém, extremamente doce. - Claro que existe - ele retrucou. - Ah, existe? Posso saber o quê? - Se este momento fizesse parte de um filme, de que gênero s
E QUEM DISSE QUE AS COISAS NÃO PODEM SER ASSIM? APENAS SIMPLES... - Pára! Ela ouviu a frase e virou a cabeça rapidamente. Queria saber de quem era aquela voz doce e suave, porém firme e ligeira, que havia dito a tal palavra para ela. - Pára! Assim – ele repetiu. Ela encarou o dono da voz com uma certa irritação. Apenas para disfarçar. Ele era lindo. Olhos escuros, cabelos pretos longos, um queixo quase barbado, regular e quadrado, e um sorriso sensacional. Estimulante. Aparentemente sincero e interessante. Ela apenas o encarou em silêncio, agora sem qualquer irritação disfarçada. Ele sorriu simpático, querendo quebrar o gelo – A posição do seu rosto daria uma foto. Um retrato lindo, sabe? Por isso pedi, quer dizer, quase mandei, né? Você ficar parada. Queria congelar o momento. Ela segurou um sorriso, apenas para querer parecer ser um pouco mais teimosa. Um pouco mais difícil. Ele ofereceu uma bebida. - Não sei o que está bebendo – ela disse – Como posso aceitar? Ele continuou com o co