O relógio avançava e avançava e avançava.
Ponteiros a mil.
Mil.
Velocidade máxima.
Total Sandra Bullock para quem tem mais de duzentos
anos.
Velocidade máxima.
Ponteiros voando.
Alta madrugada.
Muito alta madrugada.
Mas ela não dormia.
Definitivamente Estela não dormia.
A insônia reinava.
A insônia reinava, porém não sozinha.
Não sozinha.
A fumaça era a rainha.
A real rainha.
A fumaça predominava em todo o ar que se poderia,
eventualmente, respirar naquele apartamento de merda em que ela morava no
centro antigo da cidade.
Aquele minúsculo apartamento de único cômodo (cômodo?).
A fumaça fazia o ar fugir pelas mínimas frestas do
apartamento, de tão densa que aquela fumaça era.
Fumaça de ódio, fumaça de dúvida, fumaça de ressaca,
fumaça de amor mal resolvido, fumaça imaginária, fumaça de cigarro barato
comprado no centro da cidade junto a um camelô qualquer.
E Estela estava nervosa.
Muito nervosa.
Ansiosa.
Muito ansiosa.
Muito nervosa e ainda mais ansiosa.
Ansiolítico nenhum resolveria.
Nenhum.
Não àquela altura.
Não.
Mesmo.
Apenas a voz de Lígia, que ela tanto queria ouvir.
Que ela tanto queria ouvir.
Coisa sem sentido.
Coisa de amor.
Sem sentido.
Sem razão.
Razão que Estela, definitivamente, não tinha e nem
nunca teve.
Nunca.
Mas ela esperava a porra do telefone tocar.
Ainda esperava tocar.
Ainda...
E
quem tem telefone fixo hoje em dia? – ela pensou, tendo a real noção da sua situação tão
ridícula.
E ela fumava e fumava e fumava e bebia e bebia e
bebia e o relógio avançava e avançava e avançava.
Ponteiros a mil.
Mil.
Sandra Bullock para quem tem mais de duzentos anos.
Alta madrugada.
Mas ela não dormia.
Definitivamente não dormia.
Apenas suava.
Suava e suava e suava.
Gotas de suor ácidas e frustradas.
Gotas de suor.
Gotas de suor que não molharam e nunca mais molharão
ninguém.
Definitivamernte.
E o sol, finalmente, nasceu.
O telefone, com certeza, não tocou.
Lígia não ligou.
Estela não dormiu.
E as gotas de suor?
Secaram.
E nunca molharam e nem molharão mais ninguém.
Mais ninguém...
Nunca mais...
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